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Maternidade e Universidade

EDIÇÃO ESPECIAL
30.05.2021

O último.

Kamila Eulálio

            De longe esse último texto foi o mais difícil de ser escrito, de ser gestado, de ser pensado. Para escrevê-lo, li todos os outros que vieram antes, na esperança que me ajudassem a escrever com mais facilidade sobre tudo aquilo que vem afligindo não só a mim mas também a diversas mães acadêmicas pelo Brasil afora.

           

            Quando escrevi o primeiro texto falei sobre a dificuldade de conciliar a vida familiar e a vida acadêmica/laboral, historicamente uma mãe não foi pensada para estar no mercado de trabalho e dar conta dos filhos ao mesmo tempo, mas se bem, de que mãe estamos falando? Porque mães negras sempre estiveram presentes no mundo do trabalho e deixando seus filhos sob os cuidados de outras mulheres. Mas, voltando ao texto, quando o escrevi não tinha ideia de que aquilo era só a ponta do iceberg. Recebi inúmeras mensagens concordando e algumas discordando dos pontos de vista ali colocados, mas em sua maioria concordando e refletindo sobre a pergunta que ficou ao final: você consegue perceber a luta diária de uma mãe que está ao seu lado?

 

            Os outros três textos que seguiram falavam sobre três realidades completamente opostas, mas que se completavam no sentido macro sociológico: primeiro, refletimos sobre a existência de mulheres, mães, negras que foram nossas ancestrais que passaram por diversas situações para que hoje pudéssemos estar ocupando lugares de como esses, que ainda não são lugares de total de poder, mas que são lugares de destaque em comparação a séculos passados; 

Segundo, trabalhamos sobre uma perspectiva ainda muito dolorida para todas nós, inclusive para mim, com toda certeza, o texto que mais doeu, quem lembra daquela afirmativa “Tente Ficar Bem!” Afinal, somos todas humanas e a constante tentativa de se manter sã num espaço opressor e que diariamente demonstra que não nos quer ali, é enlouquecedor. Se fazer presente dentro das Instituições Públicas de Ensino Superior e a constante tentativa de ficar bem dentro desses espaços seja para mulheres mães brancas ou pretas, a relação conturbada entre a academia e as estudantes se intensificam, pois as implicações de gênero, raça e sexualidade se misturam e dão uma nova coloração para a luta permanência estudantil.

 

            Posso dizer que escrever foi uma experiência incrível, doei tudo de mim e tudo que tinha para que pudesse passar um pouco das sensações de se estar maternando dentro da universidade. Escrevo olhando para um mural de fotos, muitas delas tiradas durante a graduação e vejo que fui um pouco feliz, poucos momentos de relaxamento com colegas e algumas cochiladas em metros na volta para casa. Aproveito enquanto a cria janta para ouvir uma música sobre não desistir do amor, não desistir dos nossos objetivos. 

 

            Confesso que não tem sido fácil, em minha mente tracei um plano maravilhoso, 18 entrando na faculdade, aos 22 anos entrando no mestrado, aos 24 mestrado e aos 28 terminando o doutorado. A conta continua batendo, alguém só precisa avisar para a minha ansiedade e para a minha depressão que elas precisam me ajudar nesse processo. Eu choro todos os dias, choro durante as aulas do doutorado com a câmera fechada, choro escondido para minha filha não ver, eu choro e ligo para psicóloga tentando entender o que pode estar acontecendo. É mais uma crise – Ela diz. – Você precisa respirar fundo, vamos lá comigo. 

           E eu agora mesmo estou derramando umas lágrimas ao lembrar que não dei conta dos textos da meta do dia. Não dei conta da roupa que era para dobrar, arrumar e tantas outras coisas que deveria ter feito. Em conversa com uma querida amiga, perguntei uma vez o que escreveria aqui. E ela respondeu: - Escreva sobre você. A coluna é sobre Maternidade e Universidade e tem maior exemplo disso do que você é de que sua jornada dentro dessa Universidade. 

Então, irmãs perdoem meus olhos d’água e meu corpo cheio de marcas que vem aqui falar pela última vez com vocês e pedir para que não desistam dessa luta, cada roupa não dobrada, cada almoço atrasado, atividade por entregar, cada aula com uma criança no colo, cada uma dessas coisas faz parte da nossa luta e se você topou participar dela, respire fundo e tente mais uma vez. Não desista. Essas são palavras de uma mãe que já tentou suicídio 2 vezes e ainda assim seguiu na luta pois as crises. 

           Um sociólogo que gosto muito escreveu: “Se o sociólogo tem um papel, provavelmente é mais necessário fornecer armas do que dar lições.” (Pierre Bourdieu) E concordo com ele, se de todas as coisas que aqui foram escritas alguma pode servir para mudar qualquer coisa em alguém então meu papel no mundo foi feito.

 

          Obrigada pela experiência, por embarcarem junto comigo nessa jornada e tentar ver cores nas cinzas.

Núcleo Interseccional em Estudo da Maternidade, desde 2019

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