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Maternidade e Universidade

08.01.2021

Militância e Maternidade: não é um retrato

Kamila Eulalio Abreu

Eu estou acordada desde as 5h. Demorei uns 15 minutos para levantar da cama. Fui ao banheiro e sentei na cama vazia. Já fazem 5 dias que minha filha prefere dormir e ficar com a avó do que comigo. Eu sinto falta do abraço dela no meio da noite. Mas, entendo que eu não tenho estado aqui.

As contas se multiplicam, os textos se acumulam e as atividades também.

Não consigo mais ir à academia. Não consigo nem ao menos fazer as refeições nos horários certos. Tenho comido entre uma reunião e outra. Entre uma transcrição e uma lista para atualizar.

Tenho tentado não pensar na minha relação com a minha família. Tenho uma avó doente que eu não consigo ir visitar. Tenho um pai distante que eu não consigo resgatar. Tenho uma mãe sobrecarregada com o papel de filha, mãe e avó. E eu não consigo ver uma forma de ajudar.

Entretanto, quem olha de fora só vê a minha carreira em ascensão. Só vê o futuro brilhante que eles dizem que terei. Só dá para ver as muitas conexões entre a maternidade e a vida de estudante. Que ironia é estudar aquilo que você vive. Que ousadia achar que pode ser uma PRETA pesquisadora, PRETA com letras garrafais sim! Mas, uma mãe preta que luta contra a sociedade que diz que ela precisa escolher entre os filhos e ser bem-sucedida.

Nos últimos 3 anos eu consegui participar de mais de 10 congressos e eventos em diversas universidades do país, 1 artigo publicado, 2 livros com artigos, relatos e resumos meus e outros 2 a serem lançados daqui até ao final do ano.

E eu só me pergunto quando vou poder descansar. Minha filha me pergunta que horas a janta vai ficar pronta e eu penso em como vou entregar e seguir os prazos. Essa coluna deveria ser sobre Maternidade e Militância. E é. Há maior militância materna do que sobreviver? E sonhar em um dia poder apenas viver?

Um dia numa conversa com uma amiga, ela me falou: esse é o retrato do momento atual. Discordo plenamente, não acho que estejamos dentro de um retrato, um retrato é uma fotografia de uma cena especifica a qual pode ser eternizada através dos olhos humanos. E, particularmente, não acho que encontrar mulheres, mães cansadas e que continuam a lutar seja um retrato do atual momento. Vemos que através dos anos e em todos os movimentos sempre existiu resistência, seja ela uma resistência preta, uma resistência feminina ou uma resistência periférica.

Quando falamos de maternidade e militância, lembramos daquelas mulheres inglesas ou americanas dos anos 60 e 70, que desafiaram os paradigmas de sua época e lutaram para ter trabalho, salários igualitários, direitos reprodutivos e liberdade sexual (a liberdade de amar quem quiserem e não serem julgadas por isso). Não quero aqui falar mais do mesmo, não preciso trazer toda a história do Feminismo para lembrar o quanto esse movimento foi necessário, mas ao mesmo tempo, extremamente elitista. Não preciso trazer os fatos, a história faz isso por mim. As histórias de Sojourner Truth, Elza Soares, Lélia Gonzáles, Maya Angelou, das minhas avós, das minhas tias e mãe mostram isso por mim. Cada uma dessas mulheres, e muitas outras mães, nos mostram que a resistência a uma sociedade patriarcal e pautada em uma cultura hegemônica branca, não vem de agora.

Por esses motivos, não consigo pensar que o movimento de mães começou agora, esse movimento pode ter sido nomeado como especificamente de mães nos últimos anos. Entretanto, como pensar nele como algo novo, se as nossas ancestrais já estavam lutando pela sua sobrevivência e a sobrevivência de seus filhos desde a escravidão? Como pensar nesse movimento como algo unicamente contemporâneo se diversos movimentos, como o estudantil, como os movimentos feministas, como os movimentos negros e até mesmo como o movimento de base trabalhista sempre contou com a presença de mães?

E falando em movimento estudantil, é aqui que as nossas lutas se unem. Meu papel aqui, para além de escrever como uma socióloga, é escrever como uma militante. Principalmente, meu papel aqui é escrever como uma mãe. É dizer sobre aquilo que vem afetando minha vivência feminina e materna.

Há um ponto de encontro entre todas as vivencias que posso ter e ninguém vê as crises de ansiedade e as várias lágrimas em consultas com a psicóloga. Ninguém vai perceber que você chorou durante toda a noite por não saber como dar conta do momento que vivemos.  

            Eu poderia terminar esse texto, falando sobre a esperança de dias melhores. Mas, não costumo fazer o que esperam de mim. Tenho o ímpeto de questionar, afinal, escrevo aqui como uma socióloga. Então, quero deixar a questão: será que você enxerga as mães militantes ao seu redor? Será que você consegue perceber como as suas ancestrais foram militantes dos seus tempos, mesmo que esse conceito ainda não fosse utilizado para definir tais ações? Será que você consegue perceber a luta diária de uma mãe que está ao seu lado?

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