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Maternidade e Universidade

08.03.2021

O que você já passou para ser aceita?

Kamila Eulalio Abreu

Olá, tudo bem com você? E seu CR como está?

Bem, essa é uma pergunta cirúrgica para uma mãe universitária. É uma pergunta que pega bem no seu íntimo e te lembra que você está na Universidade, mas não está no mesmo pé de igualdade com outro estudante qualquer.

Hoje, vamos fazer uma coisinha básica, uma coisa crucial para entender o ponto que quero chegar com esse texto. E aos poucos você vai perceber (ou não) o que é e a quem precisamos combater nas nossas lutas individuais e coletivas.

Aos 18 para 19 anos, quando entrei para a faculdade de Ciências Sociais, eu não sabia nada. Parecia que tinha caído ali de paraquedas e aquele universo tão complexo de conceitos, cigarros e conversas fiadas não me fazia sentir pertencente àquele lugar.

6 anos depois, ainda acho que lá tem muita conversa fiada e gente que parece viver naquela novela “Malhação”. Talvez seja o encontro entre muitos jovens que pensam quase sempre as mesmas coisas, estão passando por basicamente as mesmas situações e vêm com o mesmo capital social que os outros possuem. Mas, mesmo assim, mesmo sabendo que tinha algo de diferente, eu sempre quis ser a melhor. Algo me intrigava, algo não me reconhecia e me deixava de lado nas conversas, algo me forçava a ter que estudar ainda mais para conseguir ter uma vida social mais ou menos típica de uma jovem qualquer. Mas, é aquilo, eu era a mãe e eu nunca seria e teria as mesmas vivências daqueles outros jovens. Se eu tivesse inveja, talvez, não vou negar, não era fácil ver seus colegas e amigos irem beber e você ter que ir buscar seu filho na escola. Mas, sobrevivi. 

Algo sempre me intrigou na minha vida, essa sensação de que eu devia ser a melhor estava sempre presente, desde muito antes da faculdade, lá na Educação Infantil e eu já tinha que ser uma das melhores da turminha, aprender a ler cedo, saber soletrar ou fazer contas, bem antes que minhas irmãs e primas. No Ensino Fundamental e Médio era só isso que eu tinha: uma boa educação, dada por minha vó; e minhas notas excelentes. Não tinha os namoradinhos, as ficadas ou investidas, tinha era a certeza de que eu precisava estudar e ser uma das melhores alunas da turma. 

Quando entrei para a faculdade, algo se perdeu e foi, gradativamente,  sendo substituído por algo diferente, o ofício de estudante. Era isso, algo que não sabia que existia, eu era uma estudante afinal e quanto mais cedo eu entendesse como o jogo funcionava, melhor para mim. Foi aí que me tornei mãe, uma mãe solo. E lembro até hoje da minha menor nota na graduação, um 6,5, na disciplina de uma professora que posteriormente se transformou em uma amiga querida, que me ensinou muito sobre as escolhas que fazemos na vida e como essas escolhas se transformam em ações que devemos tomar para a nossa vida. 

Dado momento eu ouvi: você tem que ser a melhor, tem que passar em primeiro, e fui eu com o peso de um ente querido morto, fazer a prova de mestrado. Virou história de superação, que é uma das muitas coisas que fazem com a gente quando querem desumanizar nossas dores e vivências. 

E dale notas boas e frequência impecável no mestrado. E o dito de um futuro promissor, mesmo com os mais de 5 remédios ao dia só para sentir vontade de existir, dia após dia. Me faltam palavras para dizer como foi fazer a prova de doutorado 1 dia após a morte de minha avó. É e eu ainda tinha de ser a melhor novamente... 

Se você achou que eu ia escrever sobre as dificuldades e demandas de ser uma mãe e tirar boas notas, você errou. Esse texto não é sobre isso. Não me cabe aqui falar disso. Cada uma sabe as suas dores para prosseguir dentro das várias Universidades do país. 

Ainda assim, me cabe aqui falar de uma estrutura racista e patriarcal que obriga várias mulheres a serem as melhores para serem minimamente aceitas. Essa é a questão que aponto aqui nesse pequeno texto, essa é a reflexão para as mães que me leem, o que você já fez para ser aceita? Para se sentir parte de um local que não foi pensado para você. E digo isso sem cerimônia, a universidade não foi pensada para mães, se fossem, não estaríamos reivindicando fraldários nos banheiros femininos (e masculinos) das universidades brasileiras. Se fosse pensado para nós, não precisaríamos passar horas tentando descobrir qual a melhor escola para os nossos filhos, se é perto da universidade ou perto de casa, para poder conciliar a saída deles da escola com a nossa das aulas.

Se a Universidade tivesse sido pensada para nós mães, você não teria sentido esse aperto no peito quando pensou no seu CR e o que fez para manter ele nos últimos meses, semestres e anos. 

Se a Universidade tivesse sido pensada para nós mães, e outros vários sujeitos, nós estaríamos vivenciando essa quarentena da forma mais tranquila enquanto estudantes e não equilibrando o almoço e a janta das crianças entre nossas aulas que não acabam nas horas certas. 

Nesse dia das mulheres, faça um favor para nós mães, não nos dê flores, nos dê apoio. Apoio para não precisarmos tentar ser aceitas.

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