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Gênero e Direitos na maternidade

24.02.2021

A BUSCA POR DIREITOS NA MATERNIDADE

Quais os caminhos possíveis para a efetivação de direitos na maternidade?

Renata Oliveira

Meus dias têm sido tomados por demandas do meu trabalho formal, maternidade, trabalho doméstico, pesquisa acadêmica, estudos para provas que se aproximam.  Não tenho tempo nem para um mínimo autocuidado.  Antes de me tornar mãe não pensei que minha vida seria tão cheia de responsabilidades e vazia de tempo livre.  Na realidade, eu nem mesmo imaginava que eu seria uma mãe responsável integralmente pela educação e cuidado com a minha criança.  


Com o nascimento da minha filha, eu acreditei que  as tarefas com a bebê seriam divididas, que eu teria apoio por parte do pai para que eu pudesse continuar minhas atividades. Não sabia que eu passaria o puerpério e os anos seguintes de forma solitária, somente com apoio financeiro. Imaginei que haveria uma guarda compartilhada, um cuidado parental justo, funcional. Mais uma vez eu percebi que o que parecia ser óbvio em relação às responsabilidades que deveriam ser compartilhadas, na minha realidade só era óbvio no campo da teoria.


Em relação à pensão alimentícia, sempre foi paga em dia, em um valor que eu julgava justo, porém frente a qualquer tentativa de cobrar mais presença paterna ou de dividir melhor os dias que a criança iria para a casa do pai, esta era reduzida do âmbito do direito para o campo do favor. Quando eu cobrava qualquer coisa que fugia aos interesses dele, eu sofria acusações machistas e ameaças, além de dizer que se eu judicializasse tudo, eu sairia perdendo, sem falar nos episódios de violência psicológica, que demorei a identificar como tal. 

A exposição desse breve relato tem o propósito de dizer para muitas mães que estão na mesma situação que elas não estão sozinhas, pois histórias como essa são mais comuns do que imaginamos.  

Vivemos em uma sociedade patriarcal que incute nos indivíduos diversas crenças sexistas, entre elas a romantização maternidade, que ainda é interpretada de dedicação e doação incondicional, abdicação da vida profissional.  Mesmo nos tempos atuais, esse conceito  romântico de maternidade acaba não sendo problematizado pela sociedade e menos ainda por boa parte das mulheres, visto que a maternidade ainda hoje é associada ao sagrado, onde a mulher que é mãe continua no inconsciente coletivo como um símbolo perfeito de amor e dedicação.  (BADINTER, 1985)

 

A crença que é relacionada aos homens sobre o cuidado com os filhos no imaginário popular (que não é tão imaginário assim e acaba se efetivando na prática) é sobre a paternidade enquanto escolha, com a parabenização exacerbada em relação a atividades comuns da rotina das crianças, como a troca de fraldas realizada pelo pai da criança.

 

Naturalizamos e reafirmamos isso ao verbalizarmos coisas como: “o pai ajuda com o bebê”. 

A naturalização da responsabilidade materna integral - a começar pela responsabilização em relação a gravidez - e da paternidade facultativa, que se efetiva, quando muito, enquanto provedora de recursos - contribui para que ocorra sua perpetuação nos mais diversos contextos familiares.  É inegável que o movimento feminista trouxe e vem trazendo muitos avanços nesse sentido, apurando o olhar de muitas mulheres para violências, abusos  e direcionando-as no entendimento de que seus corpos são muito mais do que reprodutores, mas ainda há muito a ser feito, visto que esses avanços atingem de forma tímida algumas camadas populares.

Nossos corpos ainda são objetificados e atendem aos interesses do capital, pois o corpo da mulher possibilita a reprodução humana e também serve à manutenção de nossas vidas na sociedade, o que são dois requisitos chaves para a perpetuação da família seguindo a estrutura cristalizada tal qual conhecemos, além da manutenção do Capital e do Estado, efetivando assim a realização dessa atividade, que é esperada que seja cumprida pela mulher. (Aruzza, Bhattacharya, Fraser, 2019).

Tendo em vista a importância de fortalecermos a resistência a essa imposição, no contexto da maternidade, a definição dos papéis na relação com os filhos e o compromisso firmado perante o poder judiciário sobre as obrigações no âmbito do cuidado com a criança pode ser um caminho para tal.

REFERÊNCIAS

ARRUZA C.; BHATTACHARYA T; FRASER N.  Feminismo para os 99%: um manifesto. Tradução: Heci Regina Candiani - 1 ed.- São Paulo: Boitempo 2019.

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo: Círculo do Livro, 1985. 

BRASIL. Lei n° 8069, de 13 de julho de 1990.  Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, Jul de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 18 Nov 2019

Resolução DPGE nº 999 de 10 de Setembro de 2019. Dispõe sobre condutas profissionais e normas institucionais e legais da mediação extrajudicial. Disponível em:
<https://defensoria.rj.def.br/legislacao/detalhes/9436-RESOLUCAO-DPGE-N-999-DE-10-DE-SETEMBRO-DE-2019> . Acesso em 20 de Dez de 2020.

Renata Oliveira
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Sou Renata Oliveira, nasci no Rio de Janeiro e fui criada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Sou Assistente social, especialista em Saúde da Mulher (UFRJ) e realizo pesquisa sobre o tema da Maternidade e os impactos na Saúde da mulher.

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