top of page

Gênero e Direitos na maternidade

24.04.2021

Oportunidades e direitos:  é preciso estarmos atentas e fortes!

Renata Oliveira

Desde que concluí a residência em saúde da mulher pela UFRJ, em março de 2021, me coloquei em busca de recolocação profissional no mercado de trabalho, mais precisamente dentro da minha área, que é o Serviço social.  Durante o mês de março um casal de amigos me escreveu oferecendo uma oportunidade de trabalho, porém na área de logística.  Eu topei de imediato, pois em pleno segundo ano de pandemia com os preços dos alimentos e da luz altíssimos, ficar sem trabalho não era uma opção. 
 

Imediatamente me deparei com o cenário desafiador, que não é novidade para as muitas mães que não pararam de trabalhar durante a pandemia, de conciliação dos estudos, produção científica, trabalho doméstico e cuidados maternos com a nova demanda de trabalho externo em uma área totalmente diferente para mim, somada à minha rede de apoio escassa, maternidade solo no cuidado e ausência de escola.  Declarei todas as minhas limitações à empregadora, dona da empresa e que também é mãe de uma menina de 4 anos, assim como eu.  
 

Diante do meu contexto, ela ofereceu a possibilidade de levar a minha filha para o local de trabalho - que não é o ideal, eu sei, mas que foi considerado por mim devido ao fato do local ser uma sala onde trabalho sozinha - quando caso eu desejasse, além de reduzir a permanência no local de trabalho físico apenas durante o tempo realmente necessário, utilizado para despachar as compras feitas pelos consumidores dos produtos da empresa, o que resulta em dois ou, no máximo, três dias presenciais na empresa, além do restante do trabalho desempenhado de forma remota.  Minhas limitações são compreendidas e respeitadas e a qualidade do serviço prestado por mim não se perde.  
 

O trabalho envolve coisas sobre as quais não tenho tanta fluência, como matemática e domínio avançado do Excel, e por si só é desafiador para mim.  Com uma criança ao lado, interagindo, demandando e querendo ir embora, fica um pouco mais difícil, mas não é nada além do que nós, mulheres-mães, não estejamos familiarizadas em nossa rotina de conciliação entre as mil e umas tarefas da vida e a maternidade, infelizmente (o que não deve ser normalizado!).
 

Trago este relato por dois motivos.  O primeiro é que pela primeira vez eu senti que a minha maternidade não foi um empecilho para a minha contratação.  Pelo contrário, minhas demandas foram acolhidas e tratadas com equidade, a minha capacidade de desempenho das funções e o meu comprometimento com a proposta de trabalho foram enxergados e valorizados em vez de desprezados após meu contexto materno ser exposto.  Em suma, a maternidade não se apresentou como um problema.  É claro que esse ainda não é o olhar da maioria dos empregadores no Brasil, mas serve como exemplo de fomento à participação de maternas no mercado, o que deveria ser multiplicado.  Serve também como fonte de otimismo e motivação para seguirmos lutando pelo alargamento de oportunidades relacionadas à maternidade e trabalho.  
 

O segundo motivo, que conclui o pensamento, se debruça em fazer uma observação sobre o trabalho remoto, no qual estou parcialmente inserida neste novo trabalho: devemos lutar pela nossa inserção no mercado sem perder de vista que é possível que nossas limitações sejam consideradas e que haja um acordo de trabalho mais humanizado, sem a perda de sua qualidade.  A oferta do trabalho em uma modalidade mais adequada à realidade das mulheres-mães não deve ser uma moeda de troca, pois o exercício do trabalho é um direito, conforme consta no artigo 6º da Constituição Federal de 1988.  Não é um favor.
 

Portanto é inconcebível a existência de uma contrapartida, um preço a se pagar, sobretudo relacionado ao limite de horário do fim do trabalho e repasse dos gastos de luz, internet, alimentação e telefonia às trabalhadoras, além do precedente de ser solicitada a qualquer momento pelas redes sociais, pela facilidade de estar a uma tela de distância, o que aumenta ainda mais a flexibilização e precarização do trabalho.  
 

Se por um lado esta modalidade é recente no Brasil e amplia a possibilidade de participação das mulheres-mães em atividades remuneradas, ela precisa de ajustes com vistas a fortalecer a resistência à superexploração do trabalho e evitar o desmantelamento e precarização dos direitos trabalhistas conquistados até aqui.  Citando Gil e Caetano:  Atenção ao dobrar uma esquina, uma alegria, atenção menina! Atenção, precisa ter olhos firmes pra este Sol, para esta escuridão. Atenção, tudo é perigoso, tudo é divino maravilhoso”. É preciso estarmos atentas e fortes sempre! 

 


 

REFERÊNCIA:

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.  Brasília, DF, 1988. Acesso em: 02 Abr 2021.


BALCONI, Isabela. Questões sobre trabalho, acirramento da exploração do trabalhador  e precarização da vida.  Esquerda Online, 2020.  https://esquerdaonline.com.br/2020/05/26/questoes-sobre-teletrabalho-acirramento-da-exploracao-do-trabalhador-e-precarizacao-da-vida/ Acesso em: 17 Abr 2021.

Renata Oliveira
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Sou Renata Oliveira, nasci no Rio de Janeiro e fui criada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Sou Assistente social, especialista em Saúde da Mulher (UFRJ) e realizo pesquisa sobre o tema da Maternidade e os impactos na Saúde da mulher.

WhatsApp%20Image%202021-01-10%20at%2011.
bottom of page