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Gênero e Direitos na maternidade

24.01.2021

MATERNIDADE, SOBRECARGA E PANDEMIA

reflexões sobre o cenário vivenciado pelas maternas

Renata Oliveira

“Não consigo retomar os estudos e isso me frustra muito. Meu companheiro concluiu doutorado e eu, apenas a graduação. Minha vida social é pouca, mas pretendo mudar isso pós-pandemia. Trabalho bastante e todo dia, fico exausta. E tarefa doméstica não tem fim nem reconhecimento.”

Este e outros relatos fazem parte de minha pesquisa em andamento, sobre a temática da Maternidade e saúde. Ao pensar nos temas que gostaria de abordar nesta coluna, só tive uma certeza: tentaria não utilizar marcadores temporais muito específicos nos meus textos. Mas é inevitável falar sobre gênero e maternidade sem citar o modus operandi que vivemos há 9 meses devido à pandemia causada pelo COVID-19, que acentuou as desigualdades já existentes.   Se eu pudesse definir uma palavra para tudo o que tenho vivenciado e lido a respeito de trabalho e maternidade, essa palavra seria “sobrecarga”. 

 

 Segundo o IBGE, no ano de 2020 houve queda na participação das mulheres no mercado de trabalho, que ficou em 46,3%, sendo a menor em 30 anos. Isso é reflexo do fato de que as  mulheres passaram a se ocupar ainda mais com o cuidado relacionado a outras pessoas, além dos filhos, o que já era naturalizado antes da pandemia.  A tentativa de conciliação de trabalho doméstico e cuidado com outras pessoas aumentou - aliado ao trabalho remoto, ou home office para uma parcela da população que não perdeu o emprego e que pode trabalhar sem se deslocar até o trabalho; 

 

Neste cenário, é inegável que o isolamento e o aumento do acúmulo de trabalho não-remunerado trouxe desdobramentos para a saúde mental das mulheres.  A divisão do trabalho no âmbito doméstico já era desigual  e se intensificou no atual cenário.  As mulheres são responsáveis pelas tarefas relacionadas ao cuidado com os filhos, afazeres domésticos, aulas online das crianças, com seu próprio estudo e trabalho profissional, além do tempo para brincadeira e atenção destinado aos filhos. Tudo isso em um mesmo ambiente, sem separação de tempo e espaço.  

 

Essa sobrecarga não é um fenômeno novo, é uma questão que já existia e foi evidenciada, sendo um fenômeno mais gritante nas famílias de camadas populares.  Para as mulheres-mães que são autônomas e para as que desempenham a maternidade solo, ele já era existente e só piorou na pandemia, visto que, devido ao isolamento social e consequente fechamento das escolas, elas foram obrigadas a conciliar ainda mais obrigações com as demandas do trabalho remunerado sem a política de educação presencial, que exerce um papel fundamental enquanto rede formal de apoio para essas mães.

fonte: pt.dreamstime.com

Segundo o IBGE, antes da pandemia as mulheres dedicavam  cerca de 10,4 horas a mais por semana ao trabalho doméstico do que os homens.  Já no contexto atual, 26,4% das mulheres afirmam que houve um aumento no tempo dedicado ao trabalho doméstico, neste compreendido o cuidado com outras pessoas, enquanto somente 13% dos homens relatam o mesmo (FIOCRUZ, 2020).  Seria possível ter um cenário diferente em 2020 tendo como pano de fundo uma sociedade que naturaliza, invisibiliza e desvaloriza o trabalho desempenhado pelas mulheres? 

 

Este trabalho realizado tem gênero e gera lucro para a sociedade capitalista, pois através dele é possível garantir a manutenção da vida, da reprodução social, de forma naturalizada, já que a produção desse trabalho é intrínseca ao que se espera das mulheres, sobretudo as que são mães.  

 

Na atual conjuntura política do país onde habitamos, é necessário que sigamos olhando - hoje e sempre - para essas desigualdades, lutando por políticas de equidade de gênero, resistindo ao machismo estrutural que nos abarca e educando nossas crianças para que formem uma geração que ultrapasse as delimitações de trabalho generificado, entendendo que o cuidado parental e com outras pessoas deve ser desempenhado por todes, em rede, independente de gênero.  

 

Se parece ambicioso vislumbrar que em 20 anos teremos políticas igualitárias e equânimes e que não haverá sobrecarga materna e exploração relacionada ao gênero, que ao menos possamos contribuir hoje com a construção de uma sociedade que questione de forma consistente toda a forma de exploração, não só de gênero, mas também de classe e etnia, pois mesmo sendo recortes diferentes, são interseccionais. 

 

É com essas aspirações em mente que me sinto motivada e honrada em contribuir com minhas reflexões, vivências e estudos.  Contribuo pensando que assim sou parte de uma rede que questiona e caminha junto a outras vozes que almejam a transformação.  Que posso semear e discutir a partir do que semeiam em mim também, para que possamos seguir em prol de uma luta em comum nessa correlação de forças em que vivemos em nosso contexto societário.

REFERÊNCIAS


 

AGENCIA DE NOTICIAS DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Em 2018, mulher recebia 79,5% do rendimento do homem. Agência IBGE notícias, 2019. Disponível em:

<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23923-em-2018-mulher-recebia-79-5-do-rendimento-do-homem>. Acesso em 14 Dez 2020.

 

ARRUZA C.; BHATTACHARYA T; FRASER N.  Feminismo para os 99%: um manifesto. Tradução: Heci Regina Candiani - 1 ed.- São Paulo: Boitempo 2019

 

DYNIEWICZ, Luciana. Com pandemia, participação das mulheres no mercado de trabalho é a menor em 30 anos.  Estadão, 2020. Disponível em: 

<https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,com-pandemia-participacao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho-e-a-menor-em-30-anos,1130056#:~:text=Antes%20da%20quarentena%2C%20as%20mulheres,%2D19%2C%20a%20situa%C3%A7%C3%A3o%20piorou>. Acesso em: 20 Dez 2020

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo, Editora Elefante, 2018.

Renata Oliveira
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Sou Renata Oliveira, nasci no Rio de Janeiro e fui criada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Sou Assistente social, especialista em Saúde da Mulher (UFRJ) e realizo pesquisa sobre o tema da Maternidade e os impactos na Saúde da mulher.

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