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Feminicidade, maternacidade

12.02.2021

O nascimento da mãe militante

Camilla Cidade

Demorei 4 anos para retornar ao mundo. Durante este tempo eu não posso considerar que tive depressão pós-parto, pois eu sempre tive consciência da minha situação de sobrecarga, e sempre me permiti entender que era um momento de atravessamento que iria passar. Quando escrevo sobre mim, é com o intuito que minhas palavras abracem outras mães que estão passando esses momentos. Eu não me sentia confortável com as revistas voltadas a maternidade, elas faziam eu parecer/me sentir ainda mais fora da caixa e distante do ideal de maternidade feliz. Mas eu fui feliz. Fui feliz quando compreendi que a felicidade não é contínua, e sim momentos, que com o tempo predominam a memória.

 

 Eu comemorei cada pequeno avanço dos meus filhos, e me desculpem a sinceridade, mas tomando como ponto de partida que via mães casadas se desesperando com um bebê só, eu fazia uma conta matemática louca e pensava - uma mãe casada com um bebê tem 0,5 bebe sobre sua responsabilidade, sendo um bebe para dois adultos, em relação a mim, matematicamente, 2 bebês para uma mãe sozinha, então eu estava com uma carga x 4 vezes mais pesada -  dentro desse raciocínio sempre me senti forte, e nos muitos momentos de solidão e desespero eu me abraçava e me consolava com este tipo de pensamento. Eu empodero a maternidade solo, mas não desejo para mim novamente e nem para qualquer mulher. Sobre a “ divisão de bebês por casal”, mais tarde descobri que esse "modo de pensar" era inadequado, mas que não podemos deixar de pensar e citar a diferente sobrecarga da mãe solo, que tem diferentes abismos e particularidades que não podem ser apagadas. É fato que raros são os pais ocupam 0,5 dos cuidados dos seus bebês,  mas que de qualquer maneira, dentro da minha realidade,  defendo que mães solteiras e morando sozinha são mães autônomas e sem dúvidas tem maior solidão, maior opressão da sociedade e maior carga de trabalho com a casa e com a rotina de si e do bebê. Essas mães necessitam de uma rede de amor e apoio presente, precisam! Não deixem suas amigas/primas/conhecidas passarem por isso sem oferecer nenhuma companhia.

 

Eu passei os longos meses/anos do pós parto sozinha. Cantava como uma mantra, “ priorize as prioridades”,  e fui criando dispositivos positivos no meio da rotina. Sentia que eu precisava ser agradecida, e que poder me isolar para cuidar deles, era um privilégio, apesar de compulsório.

 

Eu encontrava coincidências positivas e analisava a mim e minha situação, e de como havia eu sido “predestinada/preparada” a passar por essa maternidade, solo e gemelar, quando como, por exemplo, em minha carreira de DJ  sincronizava duas informações diferentes para cada mão ao mesmo tempo e isso estava me preparando para segurar um bebe e fazer uma mamadeira simultaneamente! 

 

Assim, os 3 anos de isolamento total passaram, e não sem luta, consegui uma vaga na creche municipal integral para os dois. E por coincidência, essa creche, não era perto da minha casa, mas sim ao lado do meu antigo Instituto Universitário ( IACS-UFF). 

 

Houve uma semana para a adaptação das crianças na creche e eu sentia que eles estavam reagindo muito melhor que eu a esse novo momento, eram tantos planos para este momento, e quando ele finalmente chegou eu não tinha forças pra fazer nada. Eu deixava eles na creche e voltava para casa arrasada, abria a porta de casa e chorava, ansiosa pelo momento de buscá-los. Eu tirei o atraso do meu sono, isso foi fato. Comecei a andar na rua novamente, aos poucos, para levar e buscar meus filhos. Nesse "retorno" eu era como criança assustada e uma vez atravessando a rua tomei um susto dei a mão pra uma mulher e quando eu vi, já tinha feito,  envergonhada pedi desculpas por aquilo.

 

 Quando comecei a me organizar para o retorno ao mundo, me matriculei em um curso profissionalizante, pois pra mim já não havia tempo para retomar a faculdade. E quando eu recomecei uma rotina minha, meu pai ficou muito doente e eu tive novamente que paralisar tudo, por opção, para cuidar com muito amor de sua terminalidade. E por incrível que pareça foram os meus melhores meses pós maternidade. A presença do meu pai, mesmo doente enchia a casa de energia, e eu novamente ocupada até o talo, me deixava pra depois, o que era dolorido mas também necessário.

 

Eu sempre penso nas minhas sortes até da dor, então tive muita sorte das crianças geograficamente terem sido alocadas em uma creche ao lado do IACS. A rotina de andar na rua e ver o movimento estudantil, me reacendeu a vontade de ser universitária, mesmo com o meu curso trancado, praticamente jubilado. Mas, assim que meu pai fez a passagem, em Dezembro, nós, juntos, já havíamos traçado o plano do meu retorno. Passei meu luto, mais uma vez ocupada até o talo, não vou citar as mudanças de apartamento necessárias por perder o apartamento que morava, logo após a morte de meu pai, mas de fato eu sabia que aquela era a minha luta e que eu não ia sucumbir: sobreviveria mais aquela nova fase. Seria mãe autônoma ( mesmo com ajuda financeira), seria mãe estudante. E tudo que eu tinha em mente, era que quando aquela abençoada creche acabasse eu precisava estar formada. Tive o apoio essencial de algumas pessoas, e tracei a corrida contra o tempo e a favor de mim mesma e dos meus filhos.  Me formei e venci o stress pós-traumático no mesmo ano que meus filhos se alfabetizaram, uma completa loucura, mas a única possibilidade que havia de ter êxito.

 

O que faltou narrar, foi o encontro com minha companheira Érica, logo no ano seguinte de meu reingresso e de onde surgiu, sem querer, minha inserção na luta materna.

 

Bom, vamos ser sinceras que eu estava completamente fora da caixa, meu luto era muito profundo, minha luta muito intensa, os jovens, meus companheiros de universidade, de até 15 anos mais novos que eu, não entendiam a minha necessidade de realizar tudo como se fosse a última oportunidade (e era), e eu não conseguia acompanhar os acontecimentos sociais extraclasse, que me incluiriam na turma. Eu estava ali, meio de lado, meio uma piada, meio um incômodo para aqueles jovens, quase em sua totalidade burgueses, filhos e filhas de estudiosos e artistas, que tinham uma criação super liberal, e se intitulavam super feministas.  Feministas que não me abraçaram. E com o tempo percebi que cada vez que eu contava a minha história, eu me tornava mais pesada e mais chata. E com isso, a minha obsessão em obter notas de destaque aumentava, pois eu estava em busca de respeito, mais do que a nota em si.

 

Encontrei Érica sendo mãe solo, já na luta de mães, sobrevivendo ao redor da universidade, e buscando ajuda para a nova organização que tinha como urgência mover o Coletivo Mães da UFF. Erica não podia comer no bandejão acompanhada da filha. Dificuldade que eu também atravessava pois meus filhos saiam da creche às 17 horas "jantados" e eu não podia me alimentar no bandejão pelo simples fato de que não tinha como deixar eles do lado de fora, já que eles não poderiam entrar para me acompanhar. Na ocasião eu me propus a auxiliar na parte de comunicação e eventos do coletivo - organização das pautas de luta, estabelecimento de identidade, busca por membras e fortalecimento do grupo para explanação de nossas pautas - e iniciamos a partir da exclusão da possibilidade das mães se alimentarem, que não era um problema só eu, nem um um problema só da Érica, mas era um problema de várias mães.

 

Quem é mãe e estudante vive em sobrecarga, e sabe que aos finais de semestre, um tempo de preparar um alimento e depois dar conta de uma louça, poderia ser um dos poucos momentos de produção extraclasse. Afinal a mãe aluna, continua tendo que ler, criar resenhas e fazer deveres como todos os outros.

 

 Mas como conseguir conciliar tudo isso com suas obrigações domésticas e de mãe? Como?!

 

 A Erica, foi a primeira pessoa que me atentou para a necessidade da criação de políticas de permanência e para a  formação das mães e ao auxiliar ela no processo do CMUFF eu abri uma porta que nunca mais consegui fechar, e nem quero. 

Na busca de metodologia e exemplos para aplicarmos no Coletivo Mães da UFF, encontrei minha história e entendi a sobrecarga e exclusão histórica da mulher,  e a necessidade de ações reparatórias raciais, sociais e de gênero. E deste encontro/momento nasceu a minha militância materna, e de nossa rede de apoio às pesquisas e as organizações de coletivos maternos, nasceu o NIEM.

 

Sou gratíssima. Agradeço ao interesse de quem chegou até aqui e encontro vocês no próximo dia 12, onde vou abordar de forma mais profunda a organização dos coletivos e o papel destes na institucionalização dos direitos das mães universitárias, assim como a ausência, criação e necessidade de políticas afirmativas. Até lá!

 

Toda força nos desejo, um forte abraço

Camilla Cidade

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