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Feminicidade, maternacidade

12.01.2021

A luta e o luto do puerpério. Nasce uma mãe.

Camilla Cidade

Quando eu comecei a falar, para o meu entorno, em estudos da maternidade, há apenas 3 anos atrás, objetivamente encontrava caras de surpresa quase de espanto. Temos uma sociedade com moldes patriarcais tão profundos, que é comum achar que “ estudos sobre maternidade” são apenas para mães, no máximo para pais participativos que ainda são parabenizados por um interesse que deveria culturalmente um hábito, assim como se faz necessário que mulheres, meninas  e mulheres não-mães entendam que um nascimento em nosso meio social ou família, deveria ser pauta e assunto de todos que entornam a mãe parturiente.

 

O fato é que só parei para pensar e ser militante no sentido da maternidade, no meu pós maternidade e reinserção social. 

 

Sim, digo reinserção social, pois de fato, os cuidados dos gêmeos e da casa  passaram a ser autônomos - não por escolha, mas exatamente pela falta dela - já aos 7 dias de vida de meus filhos nascidos. 

Com 15 dias recebi o apoio integral de minha madrinha que entrou de férias para me auxiliar e só foi embora, em um processo dolorido de separação com os 45 dias de meus filhos. De fato, a presença integral dela comigo, foi fundamental para que eu não entrasse em um processo profundo de estafa e desistisse da amamentação. Sim, eu devo a amamentação dos meus filhos a outra mulher, e isso só foi possível pois eu a tive como rede de apoio, sem ela não teria conseguido. Agradeço a minha tia e madrinha. Minha mãe não pode se afastar do trabalho, deixo aqui então uma reflexão sobre o primeiro tópico; um nascimento na família, deve ser pauta não apenas da mãe, e este fato precisa ser "martelado, repetido e ecoado”. 

Em busca de uma (re)construção social mais equânime e de um novo comportamento coletivo observa-se a necessidade de leis que nos amparem e que extingam a antiga normalização da sobrecarga materna. Vamos pensar juntas e juntos, já chegamos a conclusão que a licença paterna de fato precisa ser revista pela lei, mas eu ouso pensar além, deveríamos pensar em direitos de folgas para as avós do recém nascido, de forma a se garantir um rodízio e acompanhamento da mãe e do bebê.

 

De fato, a mulher recém nascida mãe, se vê, sem exceções, dentro de um novo mundo. A responsabilidade de um bebê, e de si mesma. A mulher mãe muitas vezes se vê totalmente excluída do seu antigo mundo. O pós parto, ou cientificamente chamado de puerpério é uma  fase de profunda mudança física, psicológica e social. Este momento existe, precisa ser respeitado, apoiado e abordado. Aos poucos sentimos que alguns temas são tabus da sociedade. O puerpério é um deles, a depressão pós-parto outro tema tabu e eu só a cito pois há correlação entre ambos. Precisamos falar de luto materno! 

Há uma alta expectativa que a mulher mãe dê conta de todas as obrigações dela, do bebê e do lar, e se sinta totalmente feliz. Ela deu à luz! Por que um luto?

Em primeiro lugar precisamos entender que ela deu a luz, mas que entrou em um processo de perder muitas coisas, hormonalmente falando seu corpo sofre perdas, psicologicamente é o momento que ela deixa de ser filha para exercer a responsabilidade de ser mãe, é um momento em que a mulher está extremamente cansada, momento que ela se depara e precisa se consolar com o fato de que sua produtividade de trabalho será muito reduzida, senão temporariamente cancelada, um novo momento com sua auto-estima e seu corpo, a ausência de tempo para si mesma, a retirada desta mulher de seu meio social, ainda existem as questões financeiras que a chegada o bebê causa na família, assim como o impacto na relação para as privilegiadas que tem a companhia paterna presente.

 

O romantismo que acerca deste momento, tem embasamento em gerações anteriores, da época que o ideal social feminino era apenas constituir uma família e cuidar bem dela. Então, concluímos que nas gerações anteriores, havia uma maior rede de apoio feminina já que as avós eram mulheres tinham suas vidas voltadas a gerência dos lares e das suas famílias, e que este novo momento, onde estão todas as mulheres inseridas no mercado de trabalho, trás uma carga de solidão muito maior às mães. Um adendo, que para as mulheres negras e pobres, nunca houve pausa no trabalho, estas passaram gerações e gerações obrigadas a cuidarem de outras mulheres, e outras famílias enquanto os seus bebês de familiares nasciam. O que me faz exaltar, um dos "porquês" do atravessamento das mulheres negras e pobres sempre ter sido mais profundo e dolorido, e não podemos deixar de dizer isso, quando partimos de um ponto interseccional.

 

“ Interseccionalidade (ou teoria interseccional) é o estudo da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação. “

 

O nascimento de uma mãe também é um parto, e como os partos, são atravessados por dores, dúvidas e medos. Compreender isso é compreender que as recém-mães também precisam de atenção, cuidados, carinho, e ajuda. Hoje um dos meus maiores desejos é que se reverbere, aos quatro cantos do mundo, a ideia de que a sociedade precisa rever urgentemente sua relação com o materno.

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