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Cidade Materna

22.05.2021

Parto e COVID-19: por que continuamos parindo em hospitais em meio à pandemia?

Júlia Matos

          Os locais destinados ao parto e nascimento estão, mais do que nunca, em cheque devido à situação em que vivemos nos últimos meses. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia no dia 11 de Março de 2020. De lá pra cá, gestantes e mulheres que planejaram engravidar, viveram meses de incerteza sobre as consequências do novo coronavírus no organismo de gestantes e recém-nascidos. Se por um lado a informação disponível ainda é escassa, por outro, a discussão sobre os riscos de ter que ir a um hospital para poder parir sequer foram levantadas. Se a recomendação é evitar ao máximo se expor ao vírus, especialmente, em ambientes de saúde, devido à insalubridade desses locais, por que continuamos naturalizando que as mulheres tenham que se submeter a esse risco aumentado para poder trazer seus filhos ao mundo em meio a uma pandemia?  

         

          O hospital é um dos lugares mais perigosos para se estar durante esse período. É lá onde estão internadas pessoas com confirmação ou suspeita da doença, emanando altas cargas virais no ambiente. Para as parturientes com confirmação de Covid-19 o ambiente hospitalar talvez seja necessário pela proximidade com uma unidade de terapia intensiva. Para as gestantes saudáveis, no entanto, ter que ir ao hospital para poder parir gera mais riscos do que benefícios a ambos, mãe e bebê. A falta de opção no nosso sistema de saúde, no entanto, faz com que outras alternativas nem estejam sendo cogitadas. Já estamos há mais de um ano em pandemia. Quando se trata das necessidades das mulheres, em especial, dos seus direitos sexuais e reprodutivos, a negligência é um fator recorrente a ser considerado. São elas as principais afetadas em cenários de epidemias de acordo com uma publicação da Organização das Nações Unidas (ONU BR) de 24/03/2020: 

 

Experiências recentes de outras doenças, como Ebola e Zika, mostraram que esses surtos desviam recursos dos serviços de que as mulheres precisam, mesmo quando a carga de cuidados aumenta e os meios de subsistência sofrem perdas. Um exemplo é a diminuição no acesso a cuidados de saúde pré e pós-natal e contraceptivos quando os serviços de saúde estão sobrecarregados¹. 

          A gestação já é, por si só, um evento novo na vida da mulher, que pode gerar medo, angústia, incerteza, além de mudanças físicas e psicológicas. Soma-se a isso, o medo de se infectar ao ter que frequentar consultórios e hospitais, locais de alto risco no momento em que vivemos. Mais do que nunca, precisamos colocar em pauta o direito de escolha do local de parto pela mulher, que seja seguro e viável, conforme recomendado pela OMS, desde 19962. Uma mulher saudável, com uma gestação de risco habitual (ou seja, baixo risco), ter que se deslocar até um hospital para poder parir, enfrenta uma exposição ao contágio desnecessária, que pode gerar sérias consequências para a sua vida e a do seu bebê.  

         

          É um contrassenso pedir que as gestantes se protejam do vírus se não temos capacidade de protegê-las também. Quantas mulheres contraíram o vírus na própria internação hospitalar para o parto, tendo complicações no puerpério? Quantas mulheres ficaram em enfermarias coletivas durante a internação, mesmo quando sintomáticas para Covid-19, correndo o risco de infectar ou ser infectada por outras? Talvez nunca tenhamos estudos sobre essas variáveis. Contudo, já passou da hora de considerarmos fatores de risco associados ao espaço nessa equação.  

       

            Assim como as escolas e diversos outros equipamentos, os hospitais maternidade não foram preparados para funcionar com as novas informações disponíveis sobre o vírus. Possibilitar um quarto privativo a cada parturiente, conforme as recomendações disponíveis de melhores práticas baseadas em evidências é um conhecimento disseminado porém muito pouco implementado. As estruturas ainda seguem um modelo antigo, que no geral, “processam” as mulheres em ambientes diversos, sala de pré-parto, sala de parto e sala pós parto, em locais distintos. Na realidade brasileira, apenas a sala de parto é um ambiente exclusivo onde a mulher não compartilha o espaço com outras, mas sim, com a permanência de profissionais de saúde, que “fazem o parto”. Ela senta em cadeira ginecológica ou maca, faz força, é cortada, suturada, fica em observação, até ser transferida para outra sala coletiva, a enfermaria de puérperas.  

         

          Se não existe a possibilidade de isolar as mulheres que dão entrada na maternidade com sintomas de Covid, e lá elas se misturam com outras, fica muito difícil mensurar a transmissão intra hospitalar que ocorre nesse período. Mesmo quando o hospital tem uma sala de isolamento, ou duas, se o fluxo é intenso e uma terceira mulher sintomática dá entrada, estando o quarto de isolamento ocupado, o destino dela é com as demais. Essa é uma realidade que precisamos encarar, levando em consideração que não foram disponibilizados testes para todas as gestantes que ingressam no sistema de saúde.  

Casas de Parto ou Centros de Parto Normal são, seguramente, a opção a ser priorizada, posto que a maioria dos partos apresenta risco habitual (baixo risco). É urgente a reabertura de Casas de Parto, porventura fechadas ou desativadas, bem como previstas reformas rápidas e/ou ampliações para comportar a demanda real de mulheres que não precisam se expor a um ambiente hospitalar, com alto risco de contágio, para parir.  

     

              Ao analisar a História, observamos que o hospital se torna o local mais utilizado para o parto, “[…] mesmo sem que jamais tivesse havido qualquer evidência científica consistente de que fosse mais seguro que o parto domiciliar ou em casas de parto”3. Ao contrário, isso se dá às custas de inúmeras vidas de mulheres, vítimas da chamada “febre puerperal”, que morreram pela falta de conhecimento em assepsia por parte dos médicos (ironicamente, lavagem das mãos e limpeza de utensílios!) tornando o parto hospitalar um evento de alto risco no início do século XX.  

     

           Percebemos um retorno a esse evento se medidas não forem tomadas, não por falta de conhecimento em assepsia, mas sim, pela impossibilidade física de isolamento de muitas estruturas hospitalares em garantir a segurança de mulheres saudáveis e seus bebês frente ao novo coronavírus. É imprescindível o estabelecimento de protocolos diferenciados para que mulheres gestantes saudáveis, não compartilhem as mesmas estruturas e profissionais de saúde com os demais pacientes do hospital, possivelmente contaminados. O espaço é uma forma possível de proteger essas mulheres, dando a preferência para partos de baixo risco em Centros de Parto Normal ou Casas de Parto. E você? Onde se sentiria mais segura para ter seu parto durante a pandemia?  

 

 

_________________

 

1 https://nacoesunidas.org/onu-mulheres-pede-atencao-as-necessidades-femininas-nas-acoes-contra-a-covid-19/amp/

2 OMS. Organização Mundial da Saúde. Assistência ao parto normal: um guia prático. Saúde materna e neonatal. Unidade de maternidade segura. Saúde reprodutiva e da família. Genebra, 1996.

3 DINIZ, C. S. G. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 3, p. 629, 2005.

Por Júlia Matos @cidadematerna

Júlia Matos
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Júlia Matos é carioca, Arquiteta e Urbanista formada pela UFRJ e Mestra em Projetos Complexos - Sistemas de Saúde pela UFBA. Tem experiência em arquitetura hospitalar, compatibilização de projetos, acompanhamento, avaliação e medição de obras, levantamento e reformas. É pesquisadora nas áreas de arquitetura em ambientes de saúde, humanização dos espaços de assistência ao parto e nascimento, gênero e espaço urbano, segregação sócio-espacial e planejamento urbano, no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA. Integra o Grupo de Estudos em Arquitetura e Engenharia Hospitalar Gea-Hosp/UFBA. Atua junto à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento/Rehuna e à Rede de Humanização do Parto e Justiça Reprodutiva da Bahia/Humaniza Parto Bahia. É idealizadora do @cidadematerna.

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