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Cidade Materna

22.04.2021

Sobre polarização e a volta às aulas: caminhos para a conciliação

Júlia Matos

Conversando com algumas mães nas últimas semanas sobre a volta às aulas me deparei com algo recorrente: elas estão com medo do julgamento de expor que mandaram seus filhos para a escola e serem rotuladas de inconsequentes. As aulas nas instituições particulares da capital carioca voltaram dia 8 de fevereiro e muitas mães encararam a notícia com um misto de receio e alívio. É óbvio que elas temem pelos seus filhos e se os protocolos de segurança ao vírus serão cumpridos. Mas se recolocar no mercado de trabalho com a crise gerada pela pandemia é uma urgência que se põe à mesa. Literalmente. 

 

Muitas perderam o emprego ou tiveram que deixar de trabalhar como autônomas por não terem com quem deixar as crianças durante o período de isolamento social iniciado em 2020. É muito importante que o retorno às aulas presenciais não intensifique desigualdades no processo de escolarização entre alunos da rede pública e particular. Há mais de um ano com as crianças fora da escola, muitas sem acesso à internet para acompanhar as aulas online, é inegável que os prejuízos entrarão na conta de muitas famílias. 


Visando a segurança de professores, estudantes e demais trabalhadores da área da educação, a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) lançou no dia 13 de julho de 2020 o Manual de Biossegurança para a Reabertura das Escolas no Contexto da Covid-19. Entre as condições necessárias para a promoção de boas práticas de biossegurança está a realização de estudos sobre os espaços físicos e a ambiência das escolas. Distintas são as condições de infraestrutura e recursos financeiros entre as unidades nos diferentes municípios brasileiros. Levando isso em consideração, as recomendações para o plano de reabertura devem adotar medidas que sejam viáveis, práticas, aceitáveis e adaptadas às necessidades de cada escola e de cada comunidade.
 

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¹ A biossegurança corresponde ao campo de saberes e práticas relativos à prevenção, controle, mitigação ou eliminação de riscos inerentes às atividades que possam interferir ou comprometer a qualidade de vida, a saúde humana e o meio ambiente (Brasil, 2010).
 

Uma interessante estratégia da cartilha é a elaboração de um mapa de riscos biológicos da escola, através da identificação de zonas críticas, fixado em local de fácil acesso e visualização por trabalhadores e estudantes. Áreas e superfícies de grande risco, que são frequentemente tocadas como corrimãos e maçanetas podem ter um aviso no próprio elemento que indique esse risco, podendo trazer uma advertência da necessidade de higienização das mãos após o uso. 

 

A reorganização do ambiente escolar para as atividades presenciais levando em conta as mais recentes evidências científicas sobre o novo coronavírus são essenciais para a viabilidade do plano de reabertura. O distanciamento físico no interior de todos os ambientes escolares pode ser incentivado com o uso das já conhecidas fitas adesivas no piso, especialmente em áreas propícias à aglomeração. No interior das salas de aula, as mesas e cadeiras devem se posicionar de modo a evitar que os estudantes fiquem de frente uns para os outros, garantindo uma distância de pelo menos 1,5 metro entre eles, facilitando assim, a higiene respiratória. As salas devem estar com portas e janelas sempre abertas para facilitar a ventilação natural, não sendo recomendado o uso de ar-condicionado. Quando possível, espaços mais amplos e arejados, ou até mesmo ao ar livre devem ser adaptados para o uso como sala de aula e demais atividades. Deve ser priorizado o uso da sala sempre pelo mesmo grupo de estudantes, de acordo com a dimensão e as características da escola.

 

Pias para lavagem das mãos devem ser instaladas em pontos estratégicos assim como dispensers de álcool em gel 70%, não somente para incentivar e lembrar a importância do seu uso, mas, também, para evitar a aglomeração e deslocamentos até os banheiros, locais de risco eminente de contágio e aglomeração. Espaços de convivência bem como laboratórios, salas de apoio e biblioteca (o serviço de consulta de livros deverá ser suspenso no primeiro mês de retorno às atividades educacionais) devem ter seu uso regulamentado, seja com esquema de rodízio e/ou lotação máxima reduzida para garantir o distanciamento físico e a desinfecção adequada e periódica das superfícies. 

 

Já é sabido que os locais mais propensos para a disseminação do vírus são lugares de alimentação como bares e restaurantes, onde as pessoas ficam sem máscara. Com os refeitórios não seria diferente. A escola pública tem um importante papel na qualidade nutricional de grande parte das crianças brasileiras. Um estudo recente da UFRJ e da Universidade Estadual do Ceará (UECE) aponta que os jovens da rede pública se alimentam de forma mais saudável do que aqueles que estão na rede privada. Para manter a segurança desse momento essencial da rotina escolar, devem ser adotadas uma série de medidas:
 

► Reorganização do layout de mesas e cadeiras permitindo distanciamento e/ou com instalação de barreiras físicas entre as mesas para reduzir o contato entre as pessoas; 

► Escalonar horários para a realização das refeições pelos diferentes grupos, evitando aglomeração; 

► Aplicar guias físicos, como fitas adesivas no piso, para orientar o distanciamento entre os estudantes na fila dos refeitórios; 

► Suspender a modalidade de autosserviço; 

► Instalar barreira física entre a área de distribuição dos alimentos e os alunos, de modo a evitar a emissão de gotículas de saliva sobre o alimento a ser servido; 

► Ampliar os pontos de devolução de bandejas e pratos;

► Assegurar em toda a linha produtiva a presença de instalações adequadas e convenientemente localizadas para a lavagem frequente das mãos; 

► Orientar, de forma expressiva, à comunidade escolar para que não compartilhe copos, talheres e demais utensílios de uso pessoal; 

► Higienizar adequadamente os utensílios para a realização das refeições e embalá-los individualmente;

► Instalar, se possível, latas de lixo sem toque, com acionamento por pedal.

Espera-se que com essas medidas possa ser controlado os níveis de contágio por covid-19 na comunidade escolar sem causar prejuízos à educação dos estudantes da rede pública, afastados há mais de um ano das atividades presenciais. Cabe reforçar que essas são medidas relativas ao espaço físico, atribuição que há muito já deveria estar sendo estudada por equipe multidisciplinar nas escolas. A precarização das estruturas físicas das escolas públicas no Brasil são historicamente utilizadas como justificativa para o sucateamento da educação pública de qualidade. E agora, mais uma vez, o espaço entra como fator primordial para se manterem fechadas em meio à pandemia, causando grandes desigualdades no aproveitamento de alunos da rede pública e privada. Onde estão os arquitetos das prefeituras? Não deveriam haver mais concursos públicos? Se existe uma insuficiência desse tipo de profissional disponível para as secretarias de educação, por que não houve contratação em regime temporário emergencial como em tantos outros setores? 

 

A pandemia nos alertou para o fato de que, muitas vezes, a escola é um local mais seguro do que a própria casa para muitas crianças. O número de estupros, abuso sexual e violência doméstica infrafamiliar atingiu níveis alarmantes nesse período. A escola é um importante agente de proteção à criança por ser frequentemente a única rede de apoio a identificar tais situações de risco. A volta às aulas é um assunto de extrema importância no contexto em que vivemos e deve ser debatido com seriedade e respeito a todos os envolvidos para o melhor interesse de crianças e adolescentes, mães, pais e responsáveis, assim como todos os professores e trabalhadores da área da educação. Conciliar interesses é necessário e urgente em prol do bem comum. 

Por Júlia Matos @cidadematerna

Júlia Matos
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Júlia Matos é carioca, Arquiteta e Urbanista formada pela UFRJ e Mestra em Projetos Complexos - Sistemas de Saúde pela UFBA. Tem experiência em arquitetura hospitalar, compatibilização de projetos, acompanhamento, avaliação e medição de obras, levantamento e reformas. É pesquisadora nas áreas de arquitetura em ambientes de saúde, humanização dos espaços de assistência ao parto e nascimento, gênero e espaço urbano, segregação sócio-espacial e planejamento urbano, no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA. Integra o Grupo de Estudos em Arquitetura e Engenharia Hospitalar Gea-Hosp/UFBA. Atua junto à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento/Rehuna e à Rede de Humanização do Parto e Justiça Reprodutiva da Bahia/Humaniza Parto Bahia. É idealizadora do @cidadematerna.

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