top of page

Cidade Materna

22.03.2021

SOBRE POLARIZAÇÃO E A VOLTA ÀS AULAS: QUAL É O MOMENTO IDEAL PARA A REABERTURA DAS ESCOLAS AFINAL?

Júlia Matos

Muitos responderão a essa pergunta “depois da vacina, é claro”, sem pestanejar.  Mas essas mesmas pessoas voltaram a frequentar o espaço público há muito tempo, mesmo sem a aguardada dose aplicada no braço. Se por um lado professores e demais profissionais da área da educação ainda não foram vacinados, por outro, crianças e adolescentes já estão há mais de um ano fora da escola. Acaloradas foram as discussões nesse começo de ano acerca do assunto: afinal, qual é o momento ideal para a reabertura das escolas? 

 

Uma das primeiras medidas para reduzir o contágio da Covid-19 em 2020 foi a suspensão das atividades escolares. Isso se deu na maioria das capitais brasileiras, cinco dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar que o que estávamos vivendo tratava-se de uma pandemia. Atualmente, no entanto, shoppings, bares, restaurantes e a grande maioria dos postos de trabalho já se encontram em plena atividade. “O Brasil não pode parar” dizem alguns. De fato, não são só os empresários que precisam ganhar dinheiro. Para a maior parte dos brasileiros, voltar ao trabalho é fundamental para colocar a comida na mesa. Nesse cenário, existem as crianças, os idosos, as pessoas com deficiência e os acometidos pelo Covid-19. Quem os cuida? 

 

As mulheres foram maioria e estiveram à frente dos profissionais de saúde e de apoio assistencial aos doentes durante a pandemia. Mas é do trabalho não remunerado que iremos falar hoje. Trabalhando fora, ou não, sabemos, são as mulheres que cuidaram e continuam cuidando das crianças e das demais pessoas com algum nível de dependência durante o isolamento social. Sem sombra de dúvida, elas são as maiores interessadas na proteção das pessoas e da sociedade como um todo a essa doença que vem fazendo mais mortes do que nos recordamos na história recente. Se alguém adoece na família, as mulheres, principalmente as mães, acabam sendo as principais responsáveis pelos cuidados. E muitas vezes, como se sabe, têm de abrir mão de seus empregos para isso.

 

Se você esteve por aqui no mês passado, sabe que esses cuidados das mulheres destinados à família dificilmente são reconhecidos como trabalho, posto que culturalmente relacionamos eles à expressão do afeto. Mas se elas também são as responsáveis por colocar a comida na mesa, quem cuidará dessas pessoas? A volta às aulas, para muitas, é uma questão de necessidade e é desonesto não enxergar isso porque o problema não nos afeta. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em função da pandemia e do isolamento social, 897,2 mil trabalhadores perderam o emprego de março a setembro de 2020, sendo 588,5 mil mulheres, ou seja, 65,6% dos demitidos. Esse debate precisa ser tratado com seriedade, mas, como muitas pautas no Brasil hoje, vêm sendo apropriado como disputa política, enquanto a resolução das questões junto às principais afetadas são esquecidas de lado. 

 

A proteção da infância é interesse de toda a sociedade, todos queremos um futuro melhor, mais sustentável e resiliente. É consenso na sociedade a importância da educação para construir esse futuro. Só que quando algo precisa ser feito, o lugar-comum é culpar as mães: “querem se livrar dos filhos”, “não aguentam mais as crianças em casa”, “estão contra os professores”, dizem eles. O pior de tudo é que a maioria desses comentários são de pessoas ditas “progressistas” de esquerda, porque para a direita, sabemos, as aulas já deveriam ter voltado há muito tempo, ou ainda, sequer deveriam ter sido suspensas. Em meio a esse jogo de empurra, estão mães e crianças, cujas pautas são apropriadas majoritariamente em época de eleição. 

 

Se por um lado sabemos que estamos vivendo em meio a uma doença altamente contagiosa que pode levar a óbito, sem suficiência de leitos para internação e a um negacionismo à ciência, por outro, sabemos que continuamos nos aglomerando em outros contextos. Por falta de opção, nos esprememos dentro do transporte público para ir trabalhar todos os dias em ônibus, trens, BRTs e metrôs lotados, muitas vezes sem qualquer tipo de ventilação, distanciamento, e ainda contando com a boa vontade dos demais para o uso de máscaras. Cada criança fora da escola e cada idoso pertencente ao grupo de risco convive com, pelo menos, uma trabalhadora ou um trabalhador na sua casa para prover suas necessidades básicas. Por que a culpa seria então das escolas?

Por Júlia Matos @cidadematerna

Júlia Matos
Rio de Janeiro - Brasil
Colunista

Júlia Matos é carioca, Arquiteta e Urbanista formada pela UFRJ e Mestra em Projetos Complexos - Sistemas de Saúde pela UFBA. Tem experiência em arquitetura hospitalar, compatibilização de projetos, acompanhamento, avaliação e medição de obras, levantamento e reformas. É pesquisadora nas áreas de arquitetura em ambientes de saúde, humanização dos espaços de assistência ao parto e nascimento, gênero e espaço urbano, segregação sócio-espacial e planejamento urbano, no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA. Integra o Grupo de Estudos em Arquitetura e Engenharia Hospitalar Gea-Hosp/UFBA. Atua junto à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento/Rehuna e à Rede de Humanização do Parto e Justiça Reprodutiva da Bahia/Humaniza Parto Bahia. É idealizadora do @cidadematerna.

WhatsApp Image 2021-01-09 at 21.18.40.jp
bottom of page