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Mãe docente e pesquisadora  - Desafios de uma tripla jornada. 

16.10.2021

Reflexões sobre as dificuldades de uma mãe ao dedicar-se à produção científica e laboral

Erika Armond

Ser mãe, professora e pesquisadora é um grande desafio. Ser mãe, professora e pesquisadora durante a pandemia tem sido um desafio ainda maior. No contexto pandêmico, onde ficamos confinadas ao espaço privado, isto é, a casa, tem sido ainda mais difícil. Tentar conciliar todas as demandas que fazem parte da vida de uma mãe, trabalhadora e pesquisadora, ou seja, cuidados com as filhas, cuidados com o lar, produzir dissertação e artigos científicos e atender as demandas do trabalho formal, implicou em muitas questões do cotidiano. 

 

Compartilhar um lar com mais quatro pessoas não é uma tarefa simples. Ao pensar em uma mãe pesquisadora que ingressou na universidade após a implementação de políticas de ampliação, diversificação e expansão do ensino superior no Brasil, é pensar em uma estudante com um perfil que antes não era comum encontrar no ambiente acadêmico. Heringuer (2015) explica a entrada no ensino superior desses estudantes, a partir de uma perspectiva de inclusão é intitulada pela autora de “novos estudantes”. 

 

Quando estudantes de origem popular ocupam os bancos universitários e trilham um caminho no campo da pesquisa científica, isto é, continuam estudando e tornam-se pesquisadoras, as condições de produção e de estudos dessas/es “novos estudantes” devem ser levadas em consideração que, em sua grande maioria, são condições desiguais. 

Viver em uma casa que conta apenas com um quarto para abrigar cinco pessoas é bastante desafiador. É fato que a escrita acadêmica é um processo solitário. Para uma estudante que é mãe e trabalhadora se dedicar aos estudos, ler e escrever, requer um sincronismo no ambiente que pode fazer a diferença no momento de produção acadêmica. Entre outros, o silêncio se torna um elemento essencial para a dedicação aos estudos. Entretanto, se pensar na rotina de uma mãe trabalhadora e pesquisadora contar com o silêncio no ambiente familiar, dentro do contexto apresentado nas linhas anteriores, pode ser uma tarefa bastante complicada. Se levarmos em consideração o contexto de pandemia, onde as crianças passaram a ficar 24h diárias em seus lares, o silêncio tornou-se cada vez mais artigo de luxo.  

 

Conforme aponta Andréa Lisly Gonçalves (2015), é dentro do espaço privado que nós, mulheres, estivemos destinadas ao longo da história. É certo que muitas de nós tivemos protagonismos e ocupamos espaços públicos ao longo da história. Mesmo que tais espaços não fossem destinados ou pensados para as mulheres. Rizzini e Schueler (2020) nos apontam em seus estudos algumas dessas mulheres. Um exemplo muito importante do protagonismo das mulheres nos espaços públicos foi a luta pelo sufrágio, isto é, pelo direito ao voto. As mulheres foram às ruas reivindicar este direito e, aqui no Brasil, o ano de 1932 ficou marcado na história como o ano dessa conquista, do direito ao voto. 

 

Entretanto, faço esse contraponto que por mais que as mulheres tenham tido a coragem de irem às ruas ou de ocupar outros espaços públicos que não eram/foram pensados para serem ocupados por elas/nós, como as universidades, por exemplo, atualmente as tarefas domésticas ainda são vistas socialmente como algo de responsabilidade exclusiva das mulheres, o que continua contribuindo de forma negativa para a manutenção das desigualdades de gênero. 

 

Por mais que uma mulher ocupe um cargo de emprego formal, seja pesquisadora e mãe, as tarefas domésticas ainda estão atreladas em grande medida a elas. Conforme mencionado anteriormente, este texto trata de um perfil de mulher que lida com uma tripla jornada, ou seja, com uma sobrecarga e, mesmo assim, tem que desenvolver estratégias para dar conta de todas as demandas. 

 

Trazer esse relato de experiência faz muito sentido a partir de tudo que tenho vivido. Produzir artigos e escrever uma dissertação de mestrado tem sido muito difícil nas condições que mencionei nas linhas anteriores deste texto. Viver em uma casa pequena, com três crianças pequenas, um marido, atender demandas do meu trabalho formal como docente de uma escola e tentar produzir academicamente, tem sido muito difícil, especialmente durante a pandemia. As horas de dedicação ao trabalho formal foram significativamente prolongadas, o contato por mais tempo com as crianças se tornou uma realidade por conta do isolamento social e a falta de tempo reverberou de maneira muito negativa para a produção científicas das mulheres pesquisadoras. Lunardi (2020) apontou dados relativos à escassez do tempo de dedicação das mães pesquisadoras durante a pandemia.  

 

Das mais diversas estratégias colocadas em práticas a fim de buscar tentativas eficazes de avançar na escrita, escrever de madrugada é a mais comum. Durante as horas do dia em que estou em casa, as interrupções são recorrentes, parar para alimentar as pequenas, arrumar a casa, lavar a roupa, cuidar do asseio das crianças são tarefas que corriqueiramente ocupam a maior parte do dia. Pensar em descansar um pouco tem sido ainda mais difícil. Um dia, durante uma aula na escola em que trabalho, um aluno fez uma observação com a qual muito me identifiquei, ele escreveu a seguinte frase: “não importa aonde vou, a aula sempre está junto”. Confesso que levei um certo tempo para compreender o que essa criança estava tentando comunicar, mas não demorou muito e eu logo me identifiquei com a genialidade dele. A frase que ele escreveu fez muito sentido para mim. Logo me pus a pensar e conclui que: “não importa aonde eu vá, o mestrado sempre está comigo”.

 

Ao parar para refletir sobre isso penso que a sobrecarga diária, a falta de uma estrutura decente que me auxilie no processo de produção acadêmica me deixam com a sensação de impotência, de incompetência e de incapacidade de seguir me constituindo enquanto pesquisadora. É como se eu não estivesse dando “conta do recado”, é a estrutura, ou melhor, a falta de estrutura, me dizendo o tempo todo que este mundo, que o mundo acadêmico, não me pertence, que não é algo para mim. Confesso que a sensação de não pertencimento me acompanha. 

 

Os prazos do trabalho batem à porta semanalmente, as “obrigações” maternas estão presentes a todo momento, os julgamentos sociais também. Como é possível uma mãe ousar ser uma pesquisadora? Ser uma mãe que também trabalha fora de casa? Essa mãe tem que dar conta de tudo! Você não pode ter tudo! Não reclame de ter que estudar! Você escolheu isso! E os acúmulos vão se amontoando. A pilha de tarefas vai aumentando. Os prazos ficam ainda mais apertados. Descansar? É praticamente impossível relaxar a mente, e a frase escrita pelo meu aluno, da qual eu transportei para a minha realidade faz cada vez mais sentido, “não importa aonde eu vá, o mestrado sempre estará comigo”.

 

Como é possível esquecer das obrigações? Estudar sempre foi o meu maior sonho. Estudar para conquistar mobilidade social. Sair de uma posição e alcançar outra de maior prestígio social. Ser mãe, pesquisadora e trabalhadora é um ato de resistência diário. Um ato que não deve ser visto como um ato de uma guerreira, as dores desse caminho podem e devem ser compartilhadas. Demonstrar fraqueza também faz parte desse processo e é importante.  

 

Ao ler o livro Minha história das mulheres de Michelle Perrot (2007), um trecho muito me emocionou, a autora, com suas sábias palavras conseguiu explicar o que sempre busquei em minha vida, mas não soube dizer com tanta simplicidade e clareza como ela fez. Destaco as palavras de Perrot (2007, p. 13) “Adolescente, o que eu queria era ter acesso ao mundo dos homens, o mundo do saber, do trabalho e da profissão”. A emoção tomou conta de mim ao ler essa reflexão. O mundo do conhecimento era um mundo voltado para os homens, mas o desejo de conhecer mais, de saber mais, de aprender mais, sempre esteve dentro de mim. Mas, para ter acesso a este mundo, sendo uma mulher, uma mãe, pagamos um preço muito alto. Horas de descanso são perdidas, uma mente cansada que pensa 24h por dia que deveria estar produzindo academicamente nos assolam. De fato, as condições entre um homem e uma mulher para se dedicarem aos estudos acadêmicos são cruelmente desiguais. 

 

Nós, mulheres, que também somos mães, necessariamente precisamos contar com uma rede de apoio. Entretanto, nem sempre essa rede existe. É um privilégio ter um espaço físico propício para os estudos, onde exista o silêncio, uma mobília apropriada para sentir-se confortável para produzir a escrita, isto é, ter uma mesa e uma cadeira, estas são algumas das condições mínimas, mas que certamente contribuiriam positivamente nesse processo produtivo. 

Concluo esta pequena reflexão apontando a importância de movimentos sociais continuarem atuando enquanto campo de resistência, em busca de condições melhores e menos desiguais de ser e estar na sociedade para as mulheres. Nós, mulheres, precisamos e devemos continuar nos articulando e nos fortalecendo enquanto coletivo para reivindicarmos melhorias. 

 

No que diz respeito ao campo da educação, mais especificamente sobre o ensino superior, a inclusão de mulheres com o perfil apontado neste texto, ou seja, de mãe, estudante e trabalhadora, que ocupam os espaços acadêmicos, a consolidação dos coletivos maternos e da produção científica que versa sobre a temática da maternância, maternidade enquanto ato político, deve continuar sendo priorizada. Destaco aqui o fato de ter a oportunidade de mais uma vez poder exercer a escrita nesta importante coluna do Niem, afirmo que estes são alguns dos caminhos que nos levarão a ocupar mais e novos espaços sociais, políticos e públicos. 

 

Embora as condições atuais ainda sejam desmotivadoras e extremamente desiguais para as mulheres, é importante resistir, criar redes de apoio efetivas e não sermos silenciadas. A coluna do Niem, que de forma bastante democrática e humanizada oportuniza nossa voz, nos ajudar a trilhar um caminho importante de conquistas e voz para nós, mulheres. Dividir uma pouco da minha história é uma tentativa de representação por saber que muitas mulheres vivem situações semelhantes às minhas. É um alívio saber que não estamos sozinhas. No próximo texto, irei compartilhar um pouco sobre a importância de ter me encontrado ao integrar um coletivo de mães na universidade que faço parte, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio. 

 

Referências

 

GONÇALVES, Andréa Lisly. História e gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. (História & Reflexões, 9).

 

HERINGER, Rosana (2015). O acesso ao curso de pedagogia da UFRJ: análise a partir dos ingressantes em 2011-2012. In: HONORATO, G & HERINGER, R. ACESSO E SUCESSO NO ENSINO SUPERIOR: uma sociologia dos estudantes. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.

LUNARDI, Geovana. Curso Desafios do Conhecimento em Tempos de Pandemia. Sessão 1. Desafios da pós-graduação: fim do quadriênio e pandemia. Aula inaugural do PPGEDU/UNIRIO. YouTube, 18 ago. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0eKivGbtuZc . Acesso em: 30 nov. 2020. Duração de 1h46m.  


 

PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. [tradução Ângela M. S. Côrrea]. – 2. ed., 6ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2007. 

 

RIZZINI, Irma; SCHUELER, Alessandra F. M. “O feminismo transborda”: Docência, produção escrita e atuação política de Aurea Corrêa na cidade do Rio de Janeiro. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, v. 16, n. 38, p.42-65, jan. /mar. 2020. 

Em breve

Erika Armond

Colunista
Aracaju - Brasil

Erika Fonseca Armond é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Inclusão em Educação, pela UFRJ, Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação Brasilera -NEPHEB.

 

Atua como Professora Regente do Ensino Fundamental 1; Integrante do Coletivo de Mães e Gestantes da Unirio – Colodanda; Mãe da Luisa, da Manuela e da Isabela. 

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