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Mãe docente e pesquisadora  - Desafios de uma tripla jornada. 

16.09.2021

Desafios de uma mãe, professora e pesquisadora em tempos pandêmicos
– é possível conciliar todas essas funções em tempo integral?

Erika Armond

Esse texto versa sobre os desafios que encontrei sendo mãe, professora e pesquisadora que teve que lidar com situações adversas  durante a pandemia em virtude da COVID-19,conciliando as obrigações maternas em tempo integral, com o trabalho docente, de muitas cobranças, com o andamento da pesquisa de mestrado, isto é, um enfrentamento de tripla jornada.

Entendendo como mais uma importante oportunidade, escrevo esse texto trazendo consideráveis reflexões acerca do vivido em tempos pandêmicos, um relato de experiência. No ano de 2020, não apenas no Brasil, mas no mundo, tivemos de nos adaptarmos a uma nova realidade, a de nos restringirmos quase que exclusivamente ao ambiente privado, em decorrência da pandemia da COVID-19.

 

É fato que essa situação afetou a tudo e a todos. Porém, se pensarmos de forma mais específica, nas mães, e em como a rotina exclusivamente doméstica acarretou uma sobrecarga ainda maior para essas mulheres.
Conciliar os trabalhos domésticos, com o trabalho remunerado e a rotina acadêmica de estudos com a maternidade em tempo integral, se constituiu como um desafio ainda maior para essas estudantes mães.

 

De uma hora para outra, o trabalho formal passou a ter de ser desenvolvido dentro dos lares, no caso das professoras, a sala de aula passou a fazer parte da rotina doméstica. As portas das nossas casas tiveram de ser “abertas”. De certo modo, perdemos a nossa privacidade, chegamos a “confundir” o tempo dedicado ao trabalho formal com o tempo de descanso, onde tudo foi sendo misturado. A dedicação ao trabalho remunerado foi tomando nosso tempo, tivemos de aprender a gravar vídeos, editá-los, preparar diversos slides, arrumar um canto da nossa casa para que este pudesse ser exposto ao público e, em especial, destaco o silêncio “necessário”, melhor dizendo, a falta desse silêncio no espaço doméstico se tornaram desafios diários da nossa profissão.

 

Como desejar ou impor que um silêncio fosse instaurado no espaço doméstico? Nossas crianças, filhas e filhos,  obviamente, também ficaram limitadas/os ao espaço privado, espaço esse que antes era de uso exclusivo da família, mas que, agora, tinha de ser dividido com outras pessoas as quais antes os encontros com elas se davam apenas no ambiente de trabalho.

A casa se tornou um espaço “público”.


Como mãe, professora e pesquisadora, precisei lidar com os desafios supracitados. Passei a dar aulas de forma remota por meio de uso de plataformas digitais. Porém, ser mãe em tempo integral, isto é, desempenhar o papel de mãe e de professora de forma simultânea e, dar continuidade ao andamento da minha pesquisa de mestrado, configuraram um cenário difícil de ser cumprido.


Vale ressaltar que, mesmo durante a pandemia ainda no ano de 2020, as aulas escolares foram pausadas por apenas 15 dias, tempo para que a equipe pedagógica da escola pudesse montar um plano de ação. Já os prazos e as cobranças acadêmicas do programa de pós-graduação continuaram e, as demandas e necessidades domésticas e da maternidade, se intensificaram ainda mais.


Morando em uma casa de quatro cômodos com seis pessoas, dentre elas, três crianças com idades entre 4 e 10 anos. Crianças estas que de uma hora para outra deixaram de ter um espaço externo ao lar de interação e gasto de
energia com outros sujeitos.


Além da necessidade de ocuparmos o espaço doméstico visando frear o contágio do novo coronavírus, outro fator relevante a ser destacado são as notícias acerca do Brasil e do mundo sobre a pandemia que nos afetavam. Todos os dias havia atualização do número de contágio no país, de casos de mortes causadas pelo novo vírus e da falta de insumo e estrutura do sistema público de saúde. Administrar todas essas informações ao passo que tentávamos dar continuidade às tarefas que precisavam ser desenvolvidas nas diferentes esferas, era muito difícil.


O questionamento colocado no título deste texto: “é possível conciliar todas essas funções em tempo integral?” de certo modo, tendo como base a minha vivência se torna fácil de responder, não.

Não é possível desempenhar três papéis em tempo integral com qualidade. No que tange à maternidade, destaco a culpa por não conseguir suprir as necessidades colocadas pelas crianças durante esse tempo. Quantas foram as vezes em que precisei pedir licença durante as aulas que ministrava, fechar o áudio para tentar manter um mínimo de privacidade, por vezes a câmera que divulgava minha imagem, isto é, expressão facial e o movimento das pessoas dentro do espaço doméstico, para fazer alguma intervenção necessária durante uma briga entre irmãs, por exemplo. Situação esta corriqueira no ambiente familiar pertinente a convivência entre muitas crianças.

O cansaço físico e mental em decorrência da sobrecarga

Toda essa sobrecarga, do modo inevitável, acarretou um cansaço físico e mental bastante considerável. Imersa neste contexto, cheguei a trabalhar durante 20 horas consecutivas em frente ao computador, me alternando entre os cuidados com as crianças e com o lar, isto é, banho, preparo dos alimentos,
colocar roupas para lavar, estendê-las e de modo bastante superficial, cuidar da limpeza básica da casa.

Em relação às tarefas domésticas e cuidados com as crianças, somente as atividades primordiais eram desenvolvidas, não havia a possibilidade de dispor de mais tempo para fazer uma faxina completa, por exemplo.

 

Além desses aspectos mais voltados para os cuidados com o lar, exercer o papel de mãe e até mesmo de educadora com minhas próprias filhas durante esse período de pandemia foi bastante desafiador e ao mesmo tempo, impossível.

 

Vivendo em um contexto de pressões advindas de diferentes esferas, escolher a qual atividade em determinado momento iria me dedicar era recorrente. Sendo assim, a todo momento tinha de estabelecer prioridades, ou seja, escolher executar as tarefas mais urgentes do momento presente. Dessa forma os dias foram passando, executando aquilo que era mais urgente em cada momento. O sentimento de culpa em relação às crianças era muito forte, entretanto, esse mesmo sentimento se fazia presente em relação ao tempo dedicado ao desenvolvimento da minha pesquisa de mestrado. Os prazos seguiram, porém, o rendimento caiu.

 
Imersa nesse contexto pandêmico, nessa nova realidade, muitas lives, transmissões de encontros e aulas remotas foram realizadas. Assistir às aulas remotas e às lives ofertadas era mais uma das muitas atribuições daquele contexto. Geovana Lunardi, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), atenta para o resultado de pesquisas já desenvolvidas constatando que o rendimento das mulheres pesquisadoras no período da pandemia do novo coronavírus teve uma queda significativa em relação a produção de artigos acadêmicos, por exemplo.


Essa situação também foi vivenciada por mim, a queda no meu rendimento seu deu nas diferentes esferas abordadas neste texto, trabalho formal, estudos acadêmicos e na maternidade.


Acredito que você leitora/or, deve estar se perguntando em qual momento irei falar da contribuição do pai das minhas filhas em relação ao desempenho do seu papel, na divisão de tarefas e responsabilidades com as nossas três filhas. Estando imersa em uma sociedade historicamente patriarcal e machista, ressalto que meu companheiro esteve ligado aos serviços considerados essenciais durante a pandemia, de transporte, o que fez com que ele ficasse maior parte do tempo fora do ambiente privado, ocupando, portanto, os espaços públicos (PERROT, 2007).

Porém, este fato não reduz a responsabilidade e a histórica sobrecarga que nós, mães, temos de lidar. O entendimento de que nós sempre conseguimos dar conta de tudo, precisa ser combatida. Escrever esse texto, destacar as dificuldades enfrentadas, denunciar as condições vividas, não romantizar a sobrecarga foram pontos fundamentais aos quais tentei destacar aqui.

Retornando ao questionamento colocado no título desde trabalho, volto a afirmar que não é possível conciliar todas essas funções de forma satisfatória. É certo que em diferentes momentos alcançamos algum êxito em determinadas funções, mas não em todas ao mesmo tempo.


Escrevo esse texto em junho de 2021, já estamos há mais de 15 meses (sobre)vivendo no contexto pandêmico. O quadro da realidade mudou, infelizmente para as/os profissionais docentes da educação básica na rede privada de ensino, não é mais possível ficarmos restritas/os ao ambiente doméstico, por mais que isso seja difícil e desafiador. Porém, o retorno ao ambiente do trabalho formal se fez necessário. Sendo assim, novos e diferentes desafios se tornaram reais.

 

Seguimos na certeza de que o tema abordado aqui não se esgotou e ainda não fazemos ideia de quando essa pandemia terminará. O ritmo de vacinação da população no Brasil ainda é lento e, desta forma, ainda não conseguimos ter uma clareza em relação ao fim desta pandemia.

Referências:

LUNARDI, Geovana. Curso Desafios do Conhecimento em Tempos de Pandemia. Sessão 1. Desafios da pós-graduação: fim do quadriênio e pandemia. Aula inaugural do PPGEDU/UNIRIO. YouTube, 18 ago. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0eKivGbtuZc . Acesso em: 30 nov. 2020. Duração de 1h46m.

 

PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. [tradução Ângela M. S. Côrrea]. – 2. ed., 6a reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2007.

Em breve

Erika Armond

Colunista
Aracaju - Brasil

Erika Fonseca Armond é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Inclusão em Educação, pela UFRJ, Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação Brasilera -NEPHEB.

 

Atua como Professora Regente do Ensino Fundamental 1; Integrante do Coletivo de Mães e Gestantes da Unirio – Colodanda; Mãe da Luisa, da Manuela e da Isabela. 

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