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Maternidade, Estado e Feminismo

13.09.2021

A saúde mental das mães: uma questão social.

Bárbara Ferreira de Freitas

No setembro amarelo, mês dedicado a olhar para a saúde mental através da conscientização e da prevenção ao suicídio, chamo atenção para um grupo social que é constantemente negligenciado, em sua existência, no trabalho e na vida: as mulheres mães. É graças aos trabalhos e às responsabilidades das mulheres mães que a produção de força de trabalho é garantida. São os chamados trabalhos reprodutivos dessas mulheres que permitem a geração, o cuidado e que fornecem todas as condições de desenvolvimento da classe trabalhadora, pois esses trabalhos estão na estrutura da sociedade e na sociabilidade dos seres humanos. 

Só que a carga de trabalho direcionada essencialmente aos seres reconhecidamente do sexo feminino implica no comprometimento da saúde mental das mães de diversas formas: (1) como consequência do desgaste físico; (2) nas culpabilizações decorrentes da designação compulsória da responsabilidade integral pelos trabalhos de cuidados que alimentam uma ideia inalcançável de superpoderes e perfeição; (3) nos trabalhos emocionais invisíveis; (4) na carga mental de inconscientemente ter a tarefa de gerenciar, planejar e delegar atividades que não serão desempenhados por ela; (5) nas restrições, negações e os impedimentos sociais; (6) nas discriminações e preconceitos sofridos por ser mãe; (7) no planejamento da proteção contra o racismo ou por medo de perder os filhos pela violência policial (ARRAES, 2015), vivem no stress; dentre outros. 

O exercício diário dos trabalhos de cuidados trazem para as mulheres mães e sua rede, sejam avós, tias, irmãs, filhas mais velhas, amigas ou vizinhas, um conjunto de tarefas físicas a serem executadas durante todo o dia ou tê-las geridas ou providenciadas, tanto de manutenção da casa, quanto dos entes familiares, especialmente os(a) filhos(a). Só que nesse contexto, as atividades são exercidas, a depender dos marcadores sociais de desigualdade, ou seja, diferenciam-se a partir do grupo social a qual a mãe pertença, dividindo-às entre: aquelas que realizam as tarefas com as próprias mãos; e às que podem terceirizá-las, neste caso, elas chegam antes da tarefa com o trabalho mental, ou seja, prevêem, planejam, providenciam e imaginam plano B quando a rede de cuidados formal ou informal falha.

A culpabilização das mulheres mães pode ser interna ou externa, expressa ou implícita, mas uma coisa é certeza: acompanha de forma inerente o exercício das maternidades. Tanto as mulheres se auto culpabilizam, quanto têm o dedo apontado para si, como só elas fossem responsáveis pelos(a) filhos(a), gerando um ciclo de autocobrança que pode ser adoecedor. 

Além disso, temos o trabalho emocional invisível, pois além das atividades práticas de cuidado, são as mulheres que têm que lidar com as emoções dos filhos e de outros membros da família, como por exemplo frustrações, choros, problemas e outras situações enfrentadas. Só que muitas vezes, isso leva ao esgotamento, pois dentro daquele ser chamado mãe, há também um indivíduo que tem que lidar com suas emoções. A pressão sobre a mãe é tamanha que, por exemplo, quando o(a) filho(a) fracassa, ela acha que falhou, afinal a sociedade lhe designa como responsável e se “eles não deram certo na vida” seria porque elas não ensinaram, ou fizeram, seu papel direito.

Nessas dinâmicas de cuidado, tem-se a carga mental, que é aquele peso implícito e invisível, geralmente identificado como um cansaço por esgotamento sem origem determinada, mas advindo de um conjunto de atividades realizadas de forma naturalizada pelas mulheres, imperceptível pelos demais entes. Por exemplo, quando elas lembram ao companheiro diversas necessidades óbvias do cuidado doméstico e da casa, mesmo que na divisão de tarefas, seja responsabilidade deles. É ter atividade de perceber o óbvio, devido ao treinamento recebido desde a socialização na infância direcionada ao cuidado. Aqui, muitas vezes surge a sensação de esgotamento ou a irritação “sem motivo”,  que sequer ela percebe a origem.

Na rotina de criação dos filhos as mulheres perdem oportunidades, empregos e acessos a determinados lugares seja por preconceito ou por falta de tempo para se dedicar a outras atividades fora da zona de cuidado. É nesse processo que as mulheres têm carreiras interrompidas ou sequer iniciadas. As pesquisas apontam (COSTA, 2008) para o que se chama de teto de vidro, que até certo período homens e mulheres, reservadas às especificidades inerentes, acompanham um progresso crescente, mas chega em um período da vida, que coincide com o início da maternidade, que as mulheres param de crescer na carreira. E dessa forma elas permanecem na base da pirâmide econômica. 

Além das restrições por falta de tempo, ainda há as interdições sociais por discriminação: (1) no trabalhao, quando ela está em idade reprodutiva e na probabilidade de ser mãe não é contratada, ou quando a não contratação vem pelo fato de ter filhos pequenos; (2) e na vida privada, tanto na ideia de que mães não podem se divertir, mas só se dedicar aos filhos, quanto no campo afetivo-sexual, quando a mãe solo resolve ter outros relacionamentos e é massivamente constrangida, seja pelos(a) parceiros(a), seja pelos familiares.

Em todas essas dinâmicas já abordadas as categorias de classe, raça, gênero, território, dentre outras, determinam hierarquias sociais, produzindo e reproduzindo desigualdades. Contudo, como último ponto, chamo atenção ao dispêndio de energia física, mental e emocioanal das mulheres negras mães de jovens negros, quando em tarefas diárias de cuidados, para garantir a sobrevivência dos filhos, planejam estrategicamente formas de protegê-los do racismo, seja nas atividades comuns da rotina, seja na política de morte do Estado que diariamente faz crianças e jovens negros de vítima (DAVIS, 2016). 

Portanto, esses são apenas alguns processos que atormentam o dia a dia das mulheres mães, prejudicando sua saúde mental e não como uma questão individual, mas que está contida no processo de socialização, nas instituições, na atuação do Estado, na falta de políticas públicas e de modo imbricado às relações sociais. Tal constatação faz da saúde mental das mulheres mães um tema urgente a ser posto em evidência no debate feminista.

 

 

 

    Referências 

ARRAES, Jarid. Mãe negra, criança negra: identidade e transformação. Disponível em: https://www.geledes.org.br/mae-negra-crianca-negra-identidade-e-transformacao/

 

COSTA, A. O. et al. (Org.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. cap. 22, p. 401-419.

 

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016

Em breve

Bárbara Ferreira de Freitas

Colunista
Rio de Janeiro - Brasil

Bárbara Ferreira Freitas é mâe do Miguel de 6 anos, graduada em direito e mestre em Estudos interdisciplinares de Gênero, Mulheres e Feminismo pela UFBA.

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