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Lente Feminista

16.04.2021

Quando a educação liberta. Como a educação feminista pode contribuir no combate a educação machista

Ivana Moura

               (   ) é moralmente urgente termos conversas honestas sobre outras maneiras de criar nossos filhos, na tentativa de preparar um mundo mais justo para mulheres e homens." (ADICHIE, 2017, p.8).

 

               Esse texto começa com a mesma citação que fechou o artigo anterior, pois através de sua perspectiva e que se desenvolverá a compreensão de como a educação pode ser uma caminho seguro para uma nova forma de “criarmos” nossos meninos e libertarmos nossas meninas.

          Comumente debatemos como as meninas devem ser educadas. A educação feminista esta em todas as revistas digitas que tratam do tema, orientando a urgência e importância de largarmos as mãos do patriarcado e ensinarmos nossas meninas que elas podem ser o que quiser, que podem brincar com o que quizer, seguir a carreira/esporte que quizer, usar as roupas que quiser, amar quem quiser. E sim, estimular meninas desde tenra idade a abdicarem de seus papéis de gênero e entenderem que esse mundo também é delas é de fato reorganizar os métodos educativos e preparar essas meninas para uma vida não subserviente ao homem, mas nossa sociedade não é composta só por meninas/mulheres. Hoje a nossa realidade machista agride, escraviza, prostitui, subalterniza, desumaniza, estupra e mata meninas e mulheres em índices assustadores no Brasil e no Mundo. Meninos, todos os dias, têm acesso a uma educação machista. Meninos, todos os dias, aprendem a olhar para a mulher como “algo não humano", “algo que serve”, objeto. De fato, uma educação unilateralmente feminista não vai salvar as mulheres de sofrerem machismo, sexismo e misoginia, mas se o patriarcado é uma estrutura criada por humanos estes mesmos humanos podem desestrutura-la. 

     

       Sabemos que os espaços escolares, com os formatos educacionais utilizados atualmente, não focam em processos e métodos pedagógicos feminista, revalidando assim as estruturas sociais patriarcais. E mesmo que houvesse a luz de mudanças em nossa educação com atenção na formação de cidadãos não machistas, essas mudanças significativas dentro do espectro macropolítico do mundo das políticas educacionais demandaria muita pesquisa e muito tempo para sua implementação. Porém em uma cenário micro-político e possível apostar na educação feminista e rever nossa relação no educar de forma menos machista e mais igualitária. Olhar para esse universo micro-político também é olhar para a única pessoa que a sociedade elenca como a cuidadora/educadora, a mãe.

 

            De fato sabemos que nenhuma mudança estrutural, micro ou macropolítica, nascerá da vontade do homem, para esses o patriarcado é um lugar seguro. Nesse aspecto nós mulheres-mães precisamos conversar honestamente sobre como estamos educando nossos filhos, mas não sem antes reavermos uma reeducação de nossa forma de olhar para esses pequenos meninos de forma dissociada aos estereótipos de gênero.

Sobre duros debates acerca da educação, o nosso patrono da educação observa:

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (FREIRE 1999).


 

         Uma educação feminista voltada para meninos começa cedo e tem relação com os estímulos positivos para um bom desenvolvimento afetivo-emocional. É importante abandonar a ideia de que “meninos não choram”, ou se choram é de raiva. O choro é o primeiro meio de comunicação da criança com o mundo e permitir que ao longo de seu desenvolvimento que meninos possam chorar de dor, emoção, decepção ou felicidade é uma forma de não frear a relação desse pequeno com seus sentimentos. Conforme a criança cresce e começa a verbalizar, incentivá-la a expressar seus sentimentos conversando sobre eles é uma forma de ensinar o pequeno a exercitar a compreensão de seus sentimentos de uma forma saudável. 

         Crianças são pequenas esponjas que absorvem tudo, apostar em uma educação não agressiva também é apostar em meninos não agressivos. Estimular meninos desde tenra idade a resolver seus conflitos por meio do diálogo, não exacerbando suas frustrações ao campo da agressão, também é uma maneira de evitar que essas crianças se tornem pessoas agressivas na idade adulta. A Máxima "bateu, levou", precisa ser extinta.

         

              A partir dos 5 anos crianças já reproduzem papéis de gênero e é exatamente nessa idade que devemos desconstruí-los.  Frases como “ tá chorando como uma menininha", “ parece uma mulherzinha”, ou ainda reforçar que “isso ou aquilo” não é coisa de menino também são formas de ensinar aos meninos que “as coisas atribuídas ao comportamento das meninas são ruins”, o que é uma início de formação misógina, onde essa criança começa a olhar a para meninas ( porque as entendem dentro de seus estereótipos) como inferiores, como indivíduos de comportamento não adequado. Não reforçar essa linguagem machista e pejorativa “do que seria feminino” é primordial para que o olhar do menino para a menina seja de igualdade.  

       

              Trabalhar o desenvolvimento afetivo-emocional  é o primeiro caminho para se trilhar uma educação feminista, pois ele permite que meninos possam olhar para si e para meninas de forma mais humana - e olhar para mulheres de forma não objetificada, como humanas, é algo que não é comum no patriarcado. Somente sendo possível lidar de forma saudável com os sentimentos e frustrações é possível entender que o mundo não é só sobre você, ou seja, o mundo não é só sobre homens e seus desejos.

        

       Um adolescente ou homem adulto que não sabe lidar com suas frustrações e está permeado por uma socialização machista não admite que a mulher - cujo a qual esse aprendeu ao longo da vida ser inferior a ele - possa lhe negar acesso a seus corpos. A frustração ao receber um  não, junto a criação agressiva mas a sensação de impunidade por estar em um mundo feito para o homem dá o aval para que esses agridam, estuprem e matem mulheres que negam acesso a seus corpos. Homens têm uma extrema "dificuldade conveniente" em não entenderem o que consentimento é isso e ensinado a eles através da educação machista. “Prendam suas cabras que meu bode está solto”, quem nunca ouviu essa frase? Quem nunca ouviu a observação “ fulaninho puxa o cabelo dela porque gosta dela”! Esses são estímulos educacionais machistas que muitas das vezes reproduzimos sem nos dar conta de que com eles estamos preparando futuros abusadores/agressores. 

 

     Ensinar nossos meninos a respeitar as meninas não invadindo seus espaços de exclusividade é o início do conceito de consentimento. Não há nada de legal em meninos “espiando” meninas no vestiário, isso não os tornam “homens” e sim abusadores. Se o seu filho puxa o cabelo da coleguinha no colégio isso não pode ser relativizado, é preciso que ele entenda que isso é agressão e que ele não pode tocar nela sem que a mesma permita, e que nunca, em nenhuma hipótese, pode agredir uma mulher. Explorar essas reflexões nos meninos é importante para que os mesmos possam  tem condições de questionar a masculinidade, a misoginia e o sexismo.

   

      Encorajar meninos ao autocuidado, ao cuidado de terceiros (preparo para paternidade positiva) e cuidado da casa também é um importante passo para que eles possam ter autonomia e também para que possam refletir sobre a sobrecarga das duplas  jornadas e exploração do trabalho doméstico e compreendam que os cuidados com filhos e casa não são apenas atribuição da mulher. 

 

      Ainda estamos muito longe de uma realidade onde homens olharão para mulheres como humanas, ou uma realidade onde eles questionaram seus privilégios em detrimento a subjugação da mulher. Na nossa realidade, que é macropolítica, meninos são ensinados a odiar e desumanizar mulheres todos os dias, e tudo que é ensinado, é aprendido.

     Sabemos que criar nossos meninos totalmente longe do machismo, da misoginia e do sexismo é algo impossível. A mídia, as religiões e até mesmo o grande mercado lembram todos os dias quais são os papéis de gênero. A pornografia corrompe a mente dos adolescentes, sendo ela muitas das vezes a única “educação sexual” a que eles tem acesso. Mas também sabemos que através da informação e da educação muita coisa já se modificou e nós precisamos - pois isso é urgente - criar bases para novos alicerces sociais, alicerces que terão uma perspectiva feminista, onde igualdade, equidade e respeito serão palavra de ordem, e será a partir de nosso universo micro-politico, com base na educação feminista que vamos começar a trilhar o caminho da derrubada do patriarcado, derrubada essa que já se iniciou com o levantes de nossas ancestrais feministas, nossas matriarcas, e que seguirá ate o dia de nossa libertação e do total resgate de nossa humanidade com a educação sendo o inicio, meio e fim desse processo. 



 

Referências:

 

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: Um manifesto.

São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2017.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23 ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1999.

 

HOOKS, Bell. O feminismo e para todo mundo: Políticas arrebatadoras. 14 ed. Rosa dos Tempos. 2018.

 

JENAINATI, Cathia. Feminismo: Um guia gráfico. 1 ed. Sextante. 2020

 

THE MASK YOU LIVE IN. Jennifer Siebel Newsom. Estados Unidos. NETFLIX. 2015

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