top of page

Anticolonialismo e libertação das mulheres

20.05.2021

O alvorecer de uma América Latina em chamas: os povos indígenas e as mulheres na linha de frente das lutas por terra, alimento e liberdade

Gislaine Monfort

O novo levante na Colômbia com o “Paro Nacional” (Greve Geral) desde o 28 de abril tem demonstrado a força da luta pela vida em manifestações de  sindicatos, movimentos de mulheres, organizações de base indígenas e movimentos populares, com paralisações de diferentes categorias e ações que insurgem frente ao contexto de aprofundamento dos ataques aos povos com a reforma tributária do governo narcoterrorista e de extrema direita Iván Duque, bem como contra o aumento da fome e da pobreza durante uma das maiores catástrofes sociais e crise de saúde global.

 E de modo mais geral contra a agenda neoliberal, a repressão paramilitar e terrorismo de Estado que já ceifou a vida de dezenas de pessoas e tantas outras foram feridas ou estão desaparecidas. Entre as pessoas feridas estão mulheres violentadas e agredidas pelos policiais e ao menos nove indígenas do sudoeste da Colômbia que foram atacados por homens altamente armados com apoio policial e empresarial. De acordo com relatos recebidos pela Federação Anarquista.

A organização Tremors denunciou 11 casos de estupro, assédio e abuso sexual contra mulheres que participaram dos protestos e que foram detidas pelo Esquadrão Móvel Antimotim (ESMAD), conhecido por sua forte repressão contra os manifestantes. Vídeos e depoimentos recolhidos mostraram o núcleo mais violento do estado, as mulheres como espólios de guerra que podemos atacar e sobre as quais se exerce esta violência instrutiva para sair em protesto.

 

Denominado pelo povo como massacres policiais a violência e terrorismo do Estado colombiano é diretamente praticada pelas mãos da tropa de choque do Esquadrão Móvel Antidistúrbios da Polícia (ESMAD) em uma escalada de ataques sustentadaos pelo racismo estrutural e misoginia do governo de Duque. Um Estado policial e narcoterrorista que tem aprofundado a criminalização, perseguição e agressão aos povos da América Latina, como ocorreu no Brasil e foi visto recentemente na chacina na comunidade do Jacarezinho no estado do Rio de Janeiro onde a polícia assassinou 28 pessoas em uma operação de extermínio e execução. A violência contra o povo pobre, as/os trabalhadoras/es, mulheres, população negra e indígena não cessou e nesta pandemia se somou a tantas outras faces da necropolítica estatal e capitalista.

E na Colômbia a reação popular, indígena e feminista no “paro nacional” vai em confronto ao narcoEstado fascista de Iván Duque, à fome e a precarização da saúde e da vida que aumentam brutalmente durante um período de mais de um ano de expansão da doença da Covid-19, de militarização e violência do Estado e de reformas que intensificam as desigualdades de gênero, cor/etnia e socioespaciais, enquanto os donos do dinheiro e do poder seguem aumentando sua acumulação junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

Diante desse contexto sanitário em que estamos vivendo e da crise de saúde estar sendo utilziada pelos governos como oportunidade para levar à cabo as políticas e reformas neoliberais em detrimento da vida dos povos, de forma muito compromissada as organizações de base desde as primeiras manifestações seguem a afirmar que: “Si un pueblo sale a protestar en medio de una pandemia, es porque el gobierno es más peligroso que el virus" (Se um povo sai às ruas para protestar em meio a uma pandemia, é porque o governo é mais perigoso que o vírus). 

Essa rebelião emerge como continuidade às grandes insurgências de protestos na América Latina em 2019 que contaram também com mobilizações no Chile e Equador, lutas que possuem grandes semelhanças com a linha de frente da resistência semeadas por povos indígenas e por mulheres em uma teia de luta originária anticolonial, antipatriarcal e popular. E que na Colômbia contou com a participação fundamental da “minga indígena” e da “Guardia Indígena”, as quais garantiram muitas das barricadas da Greve Nacional. 

Fonte: El tiempo; Semana; El espectador; Federacíon Anarquista (respectivamente)

 

Protagonizaram também uma das importantes ações de combate aos símbolos da colonização na derrubada de inúmeros monumentos de homenagens a patriarcas colonizadores, em um ato de rompimento com todas as estruturas que mantêm e sustentam esse imaginário neocolonial que perfaz e se refaz nas políticas do Estado e da reprodução do capitalismo e da acumulação por espoliação. Nesse sentido, o paro nacional vai muito além do rechaço a reforma tributária, e como mundo como disseram as mulheres curdas em manifesto de solidariedade às companheiras da Colômbia, essas lutas são processos de resistência para repensar o futuro de todo o país e de todo continente e as mulheres da Colômbia representam uma faísca de esperança para a América Latina e para o mundo.

Nesse manifesto de apoio ainda destacaram que o vírus da guerra sistemática dos Estados patriarcais é o que está assassinando os povos e como na Ásia, na Índia, na África e no Oriente Médio, na Abya Yala o alvorecer das chamas de uma luta vital está em andamento com fissuras imensas com o projeto de modernidade capitalista-patriarcal insustentável para todas as formas de vidas. Ressaltam também que um caminho radical e criativo para uma sociedade democrática é cada mais evidente a partir das lutas de mulheres e dos povos originários, e o que precisamos não é de reformas, mas de transformações radicais através dessas alternativas populares, ancestrais e de mulheres autônomas e organizadas.

O que tem acontecido na Colômbia é a ferida secular das veias abertas que atingem a todas e todos nós na América Latina, uma luta da qual somos parte e que aos nossos modos, tempos e geografias temos nos levantado em nichos de resistência. E como bem ressaltaram as companheiras curdas no manifesto de solidariedade, temos a mesma dor e a mesma raiva, mas o que também nos une para além da dor e da raiva é o desejo e compromisso de transformar a realidade atual para construir um mundo livre contra a guerra sistemática em que vivemos os povos indígenas, povos tradicionais, campesinos e as mulheres. O que nos une é maior, é a força ancestral da liberdade.

 

Toda solidariedade a luta dos povos na Colômbia!

Viva el Paro!!

 

Fontes

COLÔMBIA PLURAL. O Governo da Colômbia escolhe um inimigo: a Guarda Indígena de Cali. Colômbia Plural otro país, otro periodismo, 10/05/21. Disponível em: <https://colombiaplural.com/el-gobierno-de-colombia-elige-enemigo-la-guardia-indigena-en-cali/ >. Acesso em: 10/05/21. 

 

DW. Greve geral na Colômbia tem indígenas como protagonistas. DW, 05/12/2019. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/greve-geral-na-col%C3%B4mbia-tem-ind%C3%ADgenas-como-protagonistas/a-51541669 >. Acesso em: 05/05/21.

 

EL ESPECTADOR. "Faça o que quiser!": Reclamações de violência sexual na Greve Nacional. El Espectador, 03/05/21. Disponível em: <https://www.elespectador.com/noticias/nacional/hagale-lo-que-quiera-las-denuncias-por-violencia-sexual-en-paro-nacional/ >. Acesso em: 09/05/21.

 

EL TIEMPO. Más de 1.500 indígenas llegaron a Cali para apoyar el Paro Nacional

Se tiene previsto que en los próximos días lleguen otros mil indígenas a la ciudad. El Tiempo, 05/05/21. Disponível em: < https://www.eltiempo.com/colombia/cali/indigenas-siguen-llegando-a-cali-para-apoyar-el-paro-nacional-586193 >. Acesso em: 09/05/21.

 

FEDERACIÓN ANARQUISTA. PARADA NACIONAL. Violência do Estado desencadeada na Colômbia: mais de 20 assassinatos, estupros e agressões sexuais contra mulheres e tiroteios nas ruas. A luta continua. Nodo50, 04/05/21. Disponível em: <https://www.federacionanarquista.net/paro-nacional-violencia-estatal-desatada-en-colombia-mas-de-20-asesinatos-violaciones-y-agresiones-sexuales-contra-mujeres-y-disparos-en-las-calles-la-lucha-sigue/ >. Acesso em: 06/05/21.

 

KURDISTAN AMERICA LATINA. KJK: "Mulheres em luta na Colômbia representam uma centelha de esperança". Kurdistan América Latina, 10/05/21. Disponível em: < https://www.kurdistanamericalatina.org/kjk-las-mujeres-en-lucha-en-colombia-representan-una-chispa-de esperanza/?fbclid=IwAR0G5Is617OpTeIuIqONB46vZmF6jqBTMhPymbZlvGTdQfFqLBvqPZnoVMQ >. Acesso em: 10/05/21.

 

OLLIVEIRA, Cecília. BETIM, Felipe. Mortos na chacina do Jacarezinho sobem para 28. Ao menos 13 não eram investigados na operação. EL PÁIS, 07/05/21. Disponível em:   <https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-07/maioria-dos-mortos-na-chacina-dojacarezinho-nao-era-suspeita-em-investigacao-que-motivou-a-acao-policial.html>. Acesso em: 10/05/21.

 

RBA. ‘Colombiano clama por comida, saúde e educação e governo responde a bala’. Rede Brasil Atual, 04/05/2021. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2021/05/protesto-colombia-governo-ivan-duque/ >. Acesso em: 10/05/21.

 

SEMANA. Indígena Minga já está em Cali em demonstração de apoio e união com a greve nacional. Semana, 01/05/2021. Disponível em: <https://www.semana.com/nacion/articulo/minga-indigena-ya-esta-en-cali-como-muestra-de-apoyo-y-union-al-paro-nacional/202131/ >. Acesso em: 08/05/21.

 

TRT. Grupos indígenas derrubam estátua do fundador espanhol de Bogotá. TRT, 09/05/2021. Disponível em: <https://www.trt.net.tr/portuguese/america-latina/2021/05/08/grupos-indigenas-derrubam-estatua-do-fundador-espanhol-de-bogota-1636476 >. Acesso em: 10/05/21.


UOL INTERNACIONAL. Nove indígenas são baleados durante protestos na Colômbia. UOL, 10/05/21. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2021/05/10/quase-dez-indigenas-sao-baleados-em-protesto-na-colombia.htm >. Acesso em: 10/05/21.

Gislaine Monfort
Colunista
Mato Grosso do Sul - Brasil

Discente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande /PPGG/UFGD. Graduada em Geografia pela mesma Universidade. Participa do Grupo de Pesquisa GeoPovos/UFGD e do Coletivo Autônomo de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas (MS). E tem interesse em estudos relacionados a: autonomias territoriais indígenas; lutas anticoloniais; lutas e movimentos de libertação das mulheres; saberes tradicionais e multiplicidade socioterritorial; crises ecológicas e Ecologia Política. 

Área de formação: Geografia (Licenciatura)


Pesquisa: Lutas territoriais e autonomias Kaiowá e Guarani. 
 

Organização: Coletiva Autônoma de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas

Gislaine.jpeg
bottom of page