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Anticolonialismo e libertação das mulheres

20.03.2021

O AGROEXTRATIVISMO E A “MONOCULTURA DA MENTE” COMO PILAR DO PATRIARCADO: ENTRE O FEMINICÍDIO, A ESPOLIAÇÃO E A EXPLORAÇÃO DA TERRA

Gislaine Monfort

As estruturas do sistema moderno colonial e a concentração fundiária se amparam na violência contra as mulheres, na exploração e envenenamento da terra, cujo projeto mortífero e predatório é levado a cabo por sucessivos governos ditos “progressistas” (esquerda institucional-partidária) e pelos governos de extrema direita em diversos países. A guerra sistemática contra as mulheres são as relações que sustentam a fusão da dominação patriarcal, colonial, capitalista associada ao poder econômico empresarial-agrário e a criminalização e assassinato de mulheres que lutam em defesa da vida e de seus territórios.

O Estado moderno colonial tem se apropriado dos corpos das mulheres, violentando e vulnerabilizando, ao mesmo tempo em que colonizam os territórios de um mundo globalizado. Para Segato (2014, p. 345 e 360):

Estamos frente a crímenes de guerra, de una nueva forma de la guerra. La violación y la tortura sexual de mujeres y, en algunos casos, de niños y jóvenes, son crímenes de guerra en el contexto de las nuevas formas de la conflictividad propios de un continente de para-estatalidad en expansión, ya que son formas de violencia inherente e indisociable de la dimensión represiva del Estado contra los disidentes y contra los excluidos pobres y no-blancos (...) Esta situación diseña una escena de inmensa inestabilidad y anomia estatal que, sin embargo, emana, como he dicho, de la propia estructura del Estado. Y esa anomia abre las puertas a una belicidad que, como intento demostrar, se expresa de forma particular en la violencia ejercida sobre el cuerpo de las mujeres.

Isso é o que Vandana Shiva, grande pensadora independente, liderança ambiental e militante contra o modelo predatório e monocultor, reconhece como a convergência do capitalismo, patriarcado e colonialismo, cujas estruturas estão destruindo o planeta e violentando os corpos de mulheres em diversos territórios e latitudes do mundo, pois são as mulheres as lutadoras e protagonistas dessa resistência. A violência, os feminicídios, a violação da vida de todos os seres, são os pilares desse sistema. 

Shiva ainda destaca que é urgente fortalecer a nossa organização pela libertação das mulheres e da terra, detendo e combatendo pela raíz a convergência do capitalismo, colonialismo e patriarcado, ou não teremos futuro. Isso pressupõe a recuperação dos princípios, raízes e a retomada da criatividade produtiva das mulheres, assim como consiste na recuperação e restauração da biodiversidade e das formas criativas de ser e lutar (SHIVA, 1993).

A criatividade e a produtividade da natureza e das mulheres são os fundamentos de todos os sistemas de conhecimento e de todas as economias, apesar de ser invisíveis aos olhos do patriarcado capitalista que, como visão de mundo, como sistema de conhecimento e como forma de organização da economia, formou-se durante séculos por efeito do colonialismo, o industrialismo dos combustíveis fósseis e o uso da violência, a cobiça e a destruição da natureza e das culturas. O patriarcado capitalista considera que a natureza é matéria inerte e as mulheres seres passivos. (...) A mãe terra transformadora, que está viva e que acolhe e propicia a vida, foi convertida em matéria inerte, mera matéria-prima para a exploração industrial (SHIVA, 2020).¹

"As alternativas existem e sua inclusão requer um contexto de diversidade. Adotar a diversidade como uma forma de pensar, como um contexto de ação, permite o surgimento de muitas opções” (SHIVA, 2003, p.15). Esta luta é sobretudo anticolonial contra a concentração de poder das corporações e do poder do Estado com a monopolização da terra e o paradigma devastador da agricultura capitalista e industrial. Esse caminho de resistência tem sido pavimentado pelos Movimentos de Mulheres em diferentes territórios, sobretudo, por Mulheres indígenas, camponesas e de povos tradicionais com a luta combativa e o cuidado mútuo e profundo com a terra e as sementes nativas.

 

A insurreição dos saberes e corpos - territórios das mulheres são a base contra a prepotência destrutiva das monoculturas ocidentais (SHIVA, 2003). A noção de corpo-território é a ação que retoma a célula coletiva e a raíz da resistência. “Não somente porque é o primeiro local de defesa e conecta o discurso do corpo com o discurso da terra, da natureza, mas porque coloca o discurso do corpo como uma questão coletiva” (FEDERICI, 2020)². 

Nesse sentido, a Luta de libertação das Mulheres e as ecologias ancestrais são caminhos possíveis para compartilharmos saberes e lutas enquanto mulheres, e para fortalecer nossa auto-organização, autodefesa e a restauração de territórios de vida e autônomos, livres de dominação. Por fim, como nos ensinam os Movimentos das Mulheres Indígenas organizadas através da APIB (2020):

Para nós, mulheres Indígenas, nós também somos a terra, pois a terra se faz em nós. Pela força do canto nos conectamos por todos os cantos, se faz presente os encantos, que são nossas ancestrais. A terra é irmã, é filha, é tia, é mãe, é avó, é útero, é alimento, é a cura do mundo. Como se calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que a terra grita mesmo quando estamos em silêncio? Porque a terra tem muitos filhos e uma mãe chora quando vê, quando sente que a própria mãe que gerou a vida, hoje é ameaçada. Mas ainda existe a chance de mudar isso, porque nós somos a cura da Terra!³

NI LA TIERRA, NI LAS MUJERES SOMOS TERRITORIOS DE CONQUISTA!

Notas:

1  http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602416-ecofeminismo-artigo-de-vandana-shiva 

http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596621-o-feminismo-e-a-ponta-de-diamante-de-uma-insurgencia-internacional-entrevista-com-silvia-federici

https://apiboficial.org/2020/08/01/mulheres-indigenas-o-sagrado-da-existencia-e-a-cura-da-terra/

 

REFERÊNCIAS

APIB. Mulheres indígenas: o sagrado da existência e a cura da terra. 01/08/2020. Disponível em: https://apiboficial.org/2020/08/01/mulheres-indigenas-o-sagrado-da-existencia-e-a-cura-da-terra/ . Acesso em 20 fev. 2021.

 

FEDERICI, Silvia. O feminismo é a ponta de diamante de uma insurgência internacional”. Revista IHU. 01/09/2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596621-o-feminismo-e-a-ponta-de-diamante-de-uma-insurgencia-internacional-entrevista-com-silvia-federici. Acesso em 20 fev. 2021.

 

SEGATO, Rita Laura. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Revista Sociedade e Estado v. 29, n. 2, 2014.

 

SHIVA, Vandana. Abrazar la vida: mujer, ecología e supervivencia. Montevideo: Instituto Tercer Mundo, 1991.


SHIVA, Vandana. The violence of the green revolution: third world agriculture, ecology and politics. Malasya: Third World Network, 1993.

 

SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: Perspectivas da Biodiversidade e da Biotecnologia. São Paulo, Gaia, 2003

 

SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Revista IHU. 01/09/2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602416-ecofeminismo-artigo-de-vandana-shiva . Acesso em: 20 fev. 2021.

Gislaine Monfort
Colunista
Mato Grosso do Sul - Brasil

Discente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande /PPGG/UFGD. Graduada em Geografia pela mesma Universidade. Participa do Grupo de Pesquisa GeoPovos/UFGD e do Coletivo Autônomo de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas (MS). E tem interesse em estudos relacionados a: autonomias territoriais indígenas; lutas anticoloniais; lutas e movimentos de libertação das mulheres; saberes tradicionais e multiplicidade socioterritorial; crises ecológicas e Ecologia Política. 

Área de formação: Geografia (Licenciatura)


Pesquisa: Lutas territoriais e autonomias Kaiowá e Guarani. 
 

Organização: Coletiva Autônoma de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas

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