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Anticolonialismo e libertação das mulheres

20.02.2021

O terrorismo de Estado e a violência contra as mulheres e crianças

Gislaine Monfort

Historicamente inúmeras violações do Estado assolam a vida das mulheres e crianças, sobretudo, mulheres e crianças indígenas, negras e imigrantes, para sustento desse sistema genocida. Aquilo que chamam comumente de omissão do Estado frente às pautas e segurança das mulheres e crianças, na realidade se caracteriza como pilar da estrutura do poder estatal fundamentada na violência feminicida e infanticida.
 

No Mato Grosso do Sul, por exemplo, (considerado o 3° dos estados com maiores índices de feminicídios) diante de todos os impactos socioambientais e da ampla precarização territorial orquestrado pelo Estado e pelas fronteiras do agronegócio, as mulheres Kaiowá e Guarani lutam incansavelmente por seus tekoha (lugar onde se é) frente às políticas de etnocídio, ecocídio e da brutalidade dos territórios monopolizados com 92% de propriedade privada e 83% de latifúndios que invadem as terras ancestrais desses povos. Além disso, as mulheres mães estão no fronte para garantir a permanência de suas crianças ao seu lado, contra a inescrupulosa e perversa conduta do poder estatal e de abrigos vinculados à ordem clerical, a exemplo do Lar Santa Rita, uma ONG (Organização Não Governamental) “de moral cristã” (segundo definição própria da entidade), umas das principais entidades envolvidas junto ao Estado racista na criminosa retirada de crianças de suas mães e famílias no sul do estado de Mato Grosso do Sul.

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¹ Mapa do feminicídio Mapeamento das mortes violentas de mulheres, tipificadas como feminicídios, ocorridas em Mato Grosso do Sul no ano de 2019. Junho de 2020. Disponível em: <http://www.naosecale.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/MAPA-DO-FEMINICI%CC%81DIO-VERSAO-FINAL-Luciana.pdf>.Acesso em: 08/01/21.

² SANCHEZ, Izabela. Com 92% do território privado, MS tem maior concentração de terras particulares do país. DE OLHO NOS RURALISTAS. 11/04/2017. Disponível em: < https://deolhonosruralistas.com.br/2017/04/11/com-92-territorio-privado-ms-tem-maior-concentracao-de-terras-particulares-pais/>.Acesso em: 08/01/21.


³ CAVALLI, Guilherme. Racismo institucional: justificando pobreza, Estado retira crianças de suas famílias Guarani e Kaiowá. CIMI. 01/03/2018. Disponível em: <https://cimi.org.br/2018/03/racismo-institucional-justificando-pobreza-estado-retira-criancas-de-suas-familias-guarani-e-kaiowa/>.Acesso em: 08/01/21.

4 Ver Documentário “NEGLIGÊNCIA DE QUEM?”. Le Monde Diplomatique Brasil. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9kRwbMYkbL4&ab_channel=LeMondeDiplomatiqueBrasil>.

5 SPEZIA, Adi. Após cinco anos, Guarani Kaiowá retirado de sua família com sete dias de vida retorna ao povo e é novamente retirado. CIMI. 09/12/2020. Disponível em: <https://cimi.org.br/2020/12/apos-cinco-anos-guarani-kaiowa-retirado-de-sua-familia-com-sete-dias-de-vida-retorna-ao-povo-e-e-novamente-retirado/>.Acesso em: 08/01/21.

É preciso destacar também, a violência de Estado contra as centenas mulheres e crianças nas periferias urbanas nos diferentes contextos territoriais das cidades brasileiras, onde o Estado aprofunda a guerra reacionária e sistemática contra o povo pobre e a população majoritariamente negra, através de seus braços bélicos (polícias). Lutar contra o terrorismo de Estado em memória de Agatha, João Pedro, Marcus Vinícius, Kauã Rosário e todas as crianças assassinadas pelas mãos das forças de repressão estatal, é dever de todas as pessoas que defendem a liberdade e a justiça popular contra o massacre e genocídio dos povos.

Diante disso, é importante relatar da mesma forma o terrorismo do Estado paraguaio que assassinou cruelmente duas crianças em setembro de 2020, entre elas Lilian Mariana Villalba e María Carmen Villalba, sequestrando Carmen Elizabeth Oviedo Villalba e criminalizando a resistência de Laura Villalba (presa política, criminalizada por acusações falsas) e a luta do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Tudo isso em nome do latifúndio e do poder repressivo das instituições colonialistas. 

E é fundamental destacar também as violações do Estado enfrentadas pelas mulheres imigrantes, as quais saem de seus territórios por condições adversas como conflitos armados de diversas intensidades, violências de gênero, crises econômicas, políticas ou ambientais, e quando iniciam a migração, enfrentam ainda processos de vulnerabilização, maus tratos, criminalização com detenções arbitrárias, abusos sexuais e o racismo estrutural. Um dos piores exemplos disso foi visto recentemente nos EUA (com seu nacionalismo e imperialismo repugnante) e seus centros de detenções para imigrantes refugiadas/os, os quais chamavam o local de La Perrera" ("O Canil"), citando as “jaulas” instaladas para imigrantes adultas/os e onde passaram a encarcerar também crianças que estavam sendo separadas de suas mães.

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6  RODRIGUES, Cecilia. Eram meninas. Revista Cítrica. 06/10/20. Disponível em: <https://revistacitrica.com/asesinato-paraguay-ninas-argentinas.html>.Acesso em: 08/01/21.

KOROL, Claudia. ¡Eran niñas!: el doble infanticidio en Paraguay. Página 12. 11/09/20. Disponível em: <https://www.pagina12.com.ar/291213-eran-ninas-el-doble-infanticidio-en-paraguay>.Acesso em: 08/01/21.

8 SBMFC. Texto número 19 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs. SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE. 08/12/20. Disponível em: <https://www.sbmfc.org.br/noticias/violencia-contra-migrantes-e-refugiadas/>.Acesso em: 08/01/20.

9 BBC. Como são as 'jaulas' em que os EUA estão detendo filhos de imigrantes sem documentos. BBC NEWS. 19/06/20. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44526519>.Acesso em: 09/01/21.

Diante de tantas violações que estruturam o poder do Estado sob os pilares do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo, diversos movimentos auto-organizados seguem na luta por justiça e liberdade, fazendo o enfrentamento às violências paramilitares. Assim como, segue fortalecendo o cuidado mútuo através do apoio comunitário das periferias das cidades, aos quilombos, aos campos e às aldeias.

Por fim, ressalto a importância da auto-organização e autodefesa popular em suas múltiplas dimensões, sobretudo a autodefesa das mulheres, para nos mantermos seguras através de redes de coletivos e movimentos de mulheres que rompam com as fronteiras estatais e se fortaleçam numa perspectiva internacionalista, à exemplo do que já tem insurgido em várias latitudes do mundo da Abya Yala ao Kurdistão.

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10 Abya Yala é uma expressão da língua dos povos indígenas kuna, originários dos territórios que atualmente formam o Estado do Panamá, para referir-se a dimensão territorial que abarca a América Latina.

Gislaine Monfort
Colunista
Mato Grosso do Sul - Brasil

Discente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande /PPGG/UFGD. Graduada em Geografia pela mesma Universidade. Participa do Grupo de Pesquisa GeoPovos/UFGD e do Coletivo Autônomo de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas (MS). E tem interesse em estudos relacionados a: autonomias territoriais indígenas; lutas anticoloniais; lutas e movimentos de libertação das mulheres; saberes tradicionais e multiplicidade socioterritorial; crises ecológicas e Ecologia Política. 

Área de formação: Geografia (Licenciatura)


Pesquisa: Lutas territoriais e autonomias Kaiowá e Guarani. 
 

Organização: Coletiva Autônoma de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas

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