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Anticolonialismo e libertação das mulheres

20.04.2021

Internacionalismo e lutas das mulheres contra o feminicídio: entre Abya Yala e o Kurdistão

Gislaine Monfort

O feminicídio é um dos pilares do patriarcado que estrutura a exploração e violência dos por homens contra as mulheres, especificamente, por sermos mulheres, isto é, representa a máxima violência contra as mulheres por motivações sexistas e misóginas oriundas das relações de poder da dominação patriarcal. De forma o feminicídio:

está no ponto mais extremo de um continuum de terror antifeminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravidão sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extrafamiliar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (clitoridectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam feminicídios (RUSSEL e CAPUTI, 1992, p. 2)

 

No Brasil, para além da violência colonial histórica, neste período de expansão do vírus da Covid-19 a pandemia de violência contra as mulheres também se elevado com 497 casos de feminicídio reportados entre março e agosto, índice que demonstra uma pequena média do monitoramento da violência realizado por mídias independentes (PONTE JORNALISMO, 2020). O Estado patriarcal, racista, capitalista e colonial é parte integrante da guerra contra as mulheres, testemunhado pelo aumento ascendente da violência feminicida:

O feminicídio funciona como uma estratégia do capitalismo patriarcal, racista e necrófilo para manter as mulheres submissas, mas também como tática de guerra para vulnerabilizar grupos étnicos e racializados, através do sequestro, violação e morte. (...) e o feminicídio político ou femigenocídio, representa (...), o final de um continuum de terror que começa com o empobrecimento, o controle, o assassinato de lideranças, o desaparecimento de mulheres, e culmina com o assassinato. Mulheres são objetos de propriedade do grupo que está no poder, sob o controle do patriarcado (Meneghel e Lerma, 2017, p. 120).

 

Esse terrorismo e guerra sistemática contra as mulheres sustenta o colonialismo desde as primeiras invasões na Abya Yala, África, Ásia e no Oriente Médio, ampliando-se e institucionalizando-se na formação do Estado e expansão do capitalismo. Reconhecer o feminicídio como base do massacre que os homens através de suas instâncias de poder moderno colonial - Estados - cometem contra as mulheres, sobretudo mulheres indígenas, negras, camponesas e pobres do mundo, e também reconhecê-lo como raiz a qual devemos combater nos múltiplos territórios em que nossas lutas germinam, é fundamental para fortalecermos nossa autodefesa e auto-organização. É somente pela nossa autodefesa e auto-organização que encontraremos caminhos de segurança e resistência, já que os Estados são instâncias que promovem o terrorismo.

Nesse sentido, em meio a revolução vida das mulheres kurdas, levantou-se uma campanha este ano fortalecendo a memória viva das companheiras Sakine Cansiz membro fundadora do PKK (Partido das trabalhadoras e trabalhadores do Kurdistão), Fidan Doğan y Leyla Şaylemez do Movimento de Mulheres do Kurdistão, assassinadas pelas mãos do patriarcado colonizador. Em nome dessa memória, da solidariedade mundial e da luta, fazem um chamado à luta internacionalista entre os movimentos pela libertação das mulheres para somar a Campanha “100 razões para denunciar Erdoğan por suas políticas feminicidas''. "Se tocam a uma, respondemos todas!”. Com esse grito de BASTA denunciam os Estados imperialistas da Turquia, Rússia, Estados Unidos, Irã e o restante dos países que compõem a OTAN e que são diretamente responsáveis pelo massacre contra as mulheres no Oriente Médio. E reivindicam a autonomia e luta anticolonial das mulheres.

Através do Movimento de Mulheres internacionalistas, nossa luta é pela destruição dos sistemas de opressão, onde a violência contra as mulheres é o resultado das políticas dos Estados que fomentam declarações, propagandas, torturas e ações sexistas e que garantem a impunidade aos violentadores.

Diante disso, o chamado que se iniciou nas montanhas do Kurdistan se estendeu pelas geografias da Abya Yala, onde movimentos, organizações e comitês de mulheres têm ampliado o debate e as redes de resistência, fortalecendo a denúncia dos crimes de Estado contra as defensoras da vida. Se a distância é nossa diferença, a luta anticolonial é a semelhança que nos une internacionalmente ante o feminicídio e etnocídio. Pela solidariedade, apoio mútuo, auto-organização e autodefesa, tecemos nossas resistências em diversas latitudes.

 

Desde Abya Yala les decimos: “¡No están solas!”

¡DETENGAMOS ESTA GUERRA FEMINICIDA!

¡SI NOS TOCAN A UNA, RESPONDEMOS TODAS!

¡Viva a resistência das mulheres que se organizam, lutam e buscam a liberdade!

Morte a traição, a ocupação e ao massacre!

Abaixo a guerra no Oriente Médio!

Viva a liberdade de todos os povos oprimidos do mundo!

Frente a guerra, nossa auto-organização!

REFERÊNCIAS:

100 razões para processar Erdoğan por suas políticas feminicidas! Disponível em: <https://100reasons.org/petition/?fbclid=IwAR1iLmx1OoK5hHg587IegXcSadw2rhninqmpQQ4mtAx28dPI6pMdMdREMxg >.

 

COMITÊ DE MULHERES EM SOLIDARIEDADE AO KURDISTÃO – Argentina.

 

KURDISTAN AMERICA LATINA. Disponível em: <http://www.kurdistanamericalatina.org/category/movimiento-de-mujeres-de-kurdistan/>.

 

MENEGHEL, Stela Nazareth. LERMA, Betty Ruth Lozano. Feminicídios em grupos étnicos e racializados: síntese. Ciência & Saúde Coletiva, 22(1), p. 117-122, 2017

 

PONTE JORNALISMO. Um vírus e duas guerras: uma mulher é morta a cada nove horas durante a pandemia no Brasil. 08/10/20

 

RUSSELL, Diana E. H.; CAPUTI, Jane. Femicide: The Politics of Women Killing. New York, Twayne Publisher, 1992.

Gislaine Monfort
Colunista
Mato Grosso do Sul - Brasil

Discente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande /PPGG/UFGD. Graduada em Geografia pela mesma Universidade. Participa do Grupo de Pesquisa GeoPovos/UFGD e do Coletivo Autônomo de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas (MS). E tem interesse em estudos relacionados a: autonomias territoriais indígenas; lutas anticoloniais; lutas e movimentos de libertação das mulheres; saberes tradicionais e multiplicidade socioterritorial; crises ecológicas e Ecologia Política. 

Área de formação: Geografia (Licenciatura)


Pesquisa: Lutas territoriais e autonomias Kaiowá e Guarani. 
 

Organização: Coletiva Autônoma de Apoio Mútuo às Mulheres Indígenas

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