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Mundo da Adoção

04.05.2021

A mãe que foi adotada

Aline Santana

Será que ter sido uma mulher hoje, adotada no passado influencia a maneira como vou me relacionar com meu filho?

A adoção como conhecemos hoje, essa que você entra numa fila, faz um processo e se prepara é uma coisa nova se compararmos com história da adoção. Este processo que aí está tem pouco mais de 10 anos (com cadastro e filha) e se formos levando em conta também o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, mesmo assim temos apenas 30. Portanto a maioria das mulheres adultas hoje, que foram adotadas, não passaram por esse processo, o que para muitas dificulta ainda mais o acesso a sua história.

Antigamente, o procedimento que hoje é chamado de adoção ilegal (adoção à brasileira), era o mais comum. Alguém que não poderia cuidar daquele bebê ou criança por diversas circunstâncias, doava para alguém ou chegava através de pessoas terceiras e pouco se sabia da história de vida daquela criança e dos seus pais. Essa criança era criada como se tivesse desde sempre nascido naquela família (no sentido literal da palavra), pois muitas vezes no sentimento isso era posto de forma nebulosa.

Os novos pais, muitas vezes pressionados pelo preconceito social existente na época, não revelavam a verdadeira história, assumiam aquele bebê com toda sua bagagem sem ao menos saber como lidar com tudo que poderia vir junto, o que pode não parecer mas fica uma insegurança no ar de algo velado.

O impacto da revelação, muitas vezes tardia, traz uma sensação no adulto de uma vida não vivida, de uma história que não foi a dele. Muitos nesse momento passam a entender algumas dificuldades que já possuíam e eram tidos como incompreendidos, rebeldes, ingratos. O não acesso à sua história era como se faltasse algo que nem ele mesmo sabia nomear.

Alguns questionamentos permeiam alguns pensamentos na vida adulta. Porque fui abandonado? O que houve de errado comigo? Não sei exatamente o que sinto pela minha família biológica nem pela adotiva? Quais minhas referências de pais? O que foi essa adoção na minha vida?

O fato é que somos constituídos a partir de um olhar do outro e tomando como base um referencial e não poderia ser diferente com a maternidade, seja para fazer igual ou para fazer totalmente ao contrário.

O que percebo muitas vezes é um referencial de maternidade em muitos casos ambivalente onde precisou-se em alguns momentos ser constituído um sentimento e um significado em torno das suas origens de forma a poder admirar e respeitar e em alguns casos rejeitar o ignorar.

Acontece que uma mulher que foi adotada e teve sua adoção revelada tardiamente, pode ter explicado aí o sentimento de abandono que sempre carregou consigo. Ao mesmo tempo que essa revelação traz questionamentos fundantes para sua identidade, como o porquê de ter sido abandonada e por quem ou quais motivos fizeram aquelas pessoas não a quererem. Um outro ponto importante na constituição da identidade dessa mulher seria ser um fruto do que é considerada pela sociedade como algo não natural.

Todo esse sentimento mesmo que não apareça de forma explícita influencia no exercício da maternidade e vem muitas vezes como elemento de uma falta que nem a própria mãe sabe que existe. As ressonâncias do abandono podem respingar nas relações tanto conjugais e especialmente nas relações que podem reeditar dores como a relação entre mãe e filhos, fomentando um sentimento de culpa por não poder exercer tal papel, gerando um ciclo culpa x insegurança x culpa.

Uma mãe que foi adotada, precisa se adotar, adotar a sua história para adotar os outros ao seu redor.

Aline Santana
Bahia - Brasil
Colunista

Sou Aline Santana, Natural de Salvador, uma Analista de Sistemas que virou Psicóloga pelo amor a causa da adoção, mãe de Miguel, uma criança linda que me ensina todo dia o poder do afeto e esposa de William.

Atuo como Psicóloga Infantil e da Adoção. Apaixonada pelo tema, estou nesse mundo como estudiosa do assunto desde 2012, participando de ações voluntárias, trabalhos terapêuticos em grupo e individual, grupos de apoio e trabalhos acadêmicos.

Sou especialista em Clínica Psicanalítica com formação em grupos terapêuticos e dinâmicas de grupo e relações interpessoais.

Acredito que todos os filhos precisam ser adotados, sejam eles biológicos ou não, por isso escolhi trabalhar com o fortalecimento dos vínculos, preparação e suporte a pais e filhos no processo da adoção consciente.

Para mim a conexão que fazemos com uma criança reflete no adulto que ela vai se tornar.

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