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Mundo da Adoção

04.04.2021

As mães desnaturadas, filhos desnaturados

Aline Santana

"Ela é uma mãe desnaturada, aliás não dá nem para chamar de mãe uma pessoa que abandona o filho." 

 

Isso que ouvi de uma mãe por adoção que me procurou para que eu atendesse sua filha, que tinha autoestima baixa, parecia apática quanto aos seus sentimentos e não estava conseguindo se vincular, mesmo depois de mais de um ano em casa.

 

Nesses anos acompanhando famílias e crianças na adoção, já ouvi muito essa referência à mãe biológica das crianças. É muito comum, quando se encontra uma criança que foi abandonada, que a frase, "mas que desnaturada essa mãe que abandona o filho!" pule boca afora. Sim, em algum grau tendemos a julgá-la. Mas você já parou para pensar os motivos que a levaram até esse ato? Em algum momento paramos para pensar sobre o motivo dessas mulheres? .

 

Analisando a palavra "desnaturada", é um adjetivo utilizado para qualificar uma pessoa desprovida de sentimentos que são naturais do ser humano. Mas quando analisamos a expressão "mãe desnaturada", vem junto com ela uma ideia de que todas as mulheres têm um amor inato, o amor materno. E olha que curioso, a expressão é dita justamente por uma mãe que me procura por não conseguir vincular com sua filha. Digo curioso para não dizer ambíguo.

 

A francesa Elizabeth Badinter, no seu livro "um amor conquistado - O mito do amor materno", nos mostra lindamente de onde vem a construção dessa crença de que o amor materno é inato além de trazer que há uma romantização da relação mãe-filho como uma coisa sagrada e intocável.

 

Na visão social romântica, se eu sou mulher e não desejo exercer o papel materno, eu não sou uma pessoa, eu não sou ninguém!

 

Decidir entregar um filho para a adoção pode carregar diversos significados, porém, qualquer que sejam eles, vem acompanhado de questionamentos que colocam em cheque essa atitude, questionamentos que adjetivam quase sempre essa mãe de forma negativa, que não cumpre o papel "natural” que é o socialmente aceito. O amor materno é construído, ele não é instintivo como fomos ensinados a pensar.

 

Para muitas mulheres as circunstâncias da gravidez e do nascimento desse filho não proporcionam ambiente favorável à criação de um vínculo.  Para outras a vida já foi tão difícil e ela foi tão castigada por ela que o maior ato de amor possível é a entrega dessa criança. 

 

Voltando então a mãe e a criança do início deste texto, fica mais fácil entender a apatia. Se uma criança ouve o tempo todo que veio de uma "mãe desnaturada, não resta ser outra coisa senão uma "filha desnaturada", desprovida de sentimentos que esperam dela como filha. Impregnada de convicções construídas socialmente, essa deixa mais fundo o buraco apático em que a filha se encontra e a afasta mais ainda de uma possível vinculação.

 

Entender e não julgar essas mulheres que entregam os filhos é preservar muitas vezes a memória de nascimento e o passado da sua criança. Lembrar que mesmo que sua visão não seja essa, ela é parte do que seu filho é. 

 

Por mais difícil que seja, é necessário exercer a empatia e buscar entender que cada um faz o que é possível para si naquele momento. 

 

Se uma mãe é desnaturada, seu filho ou filha também será!

Aline Santana
Bahia - Brasil
Colunista

Sou Aline Santana, Natural de Salvador, uma Analista de Sistemas que virou Psicóloga pelo amor a causa da adoção, mãe de Miguel, uma criança linda que me ensina todo dia o poder do afeto e esposa de William.

Atuo como Psicóloga Infantil e da Adoção. Apaixonada pelo tema, estou nesse mundo como estudiosa do assunto desde 2012, participando de ações voluntárias, trabalhos terapêuticos em grupo e individual, grupos de apoio e trabalhos acadêmicos.

Sou especialista em Clínica Psicanalítica com formação em grupos terapêuticos e dinâmicas de grupo e relações interpessoais.

Acredito que todos os filhos precisam ser adotados, sejam eles biológicos ou não, por isso escolhi trabalhar com o fortalecimento dos vínculos, preparação e suporte a pais e filhos no processo da adoção consciente.

Para mim a conexão que fazemos com uma criança reflete no adulto que ela vai se tornar.

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