top of page

Mulheres em Maternância

06.10.2021

Mães cientistas: o desafio de ousar pertencer

Débora Reis

Quando nos mobilizamos para pensar a respeito do caminhar das mulheres, historicamente nos variados contextos, sem dúvida nos deparamos com (re)existências plurais que pulsam em potência e ultrapassam as fronteiras das conhecidas assimetrias nos espaços sociais.

 

Fruto de um contexto de colonização, a educação brasileira constitui-se em um processo determinante para o subdesenvolvimento dos países sul-americanos (Alexandre, 2015). A autora ressalta que as universidades tradicionais, com seu modelo antidemocrático, continuam legitimando os saberes hegemônicos. 

A universidade. Esse espaço que não foi pensado para pobres, negros, índios, homossexuais, não-binários, mulheres, mães ou pessoas com deficiência. Onde os conhecimentos circulam pelas hierarquias do saber, do pensar, do escrever e até do sentir.

 

Louro (1997) revela que a segregação social e política a qual as mulheres foram submetidas conduziram a sua ampla invisibilidade como sujeito, inclusive, como sujeito da Ciência, pois que, segundo a autora, há uma história da ciência que foi reconhecida como legítima e universal, elaborada para ser uma ciência que fala de todos e por todos, escrita por homens, brancos, ocidentais, de classe dominante, esses que perguntam e respondem supostamente ao interesse “geral”, porém, sabemos que essa ciência silencia, classifica, marginaliza, exclui e segrega.

 

O ambiente acadêmico costuma ser bastante hostil àqueles que não se encaixam aos padrões que compõem o modelo de estudante “perfeito”. O ensino superior percorre ainda por caminhos que buscam superar o fato de não sabermos reconhecer as diferenças. Outro fato, então, é que não podemos mais estar ausentes frente a necessidade de questionar as discriminações e hierarquizações no contexto da universidade.

Estudos vêm sendo conduzidos no intuito de dar conta dessas demandas, mobilizando temas relacionados ao acesso e permanência de estudantes na educação superior, principalmente, como destacado por Nunes (2020), aqueles que contemplam as categorias de gênero, raça, classe, idade e deficiência têm contribuído para a compreensão das trajetórias acadêmicas de estudantes, direcionamentos esses que envolvem acesso e permanência, a partir de um olhar para as subjetividades, experiências e contextos de indivíduos que historicamente foram excluídos do espaço acadêmico.

 

Pesquisando a relação entre maternagem e ensino superior, Chaves (2020) destaca entre as políticas assistenciais para alunas mães no ensino superior: licença maternidade; direito à realização de atividades domiciliares e auxílio creche. Contudo, as autoras refletem que, nem sempre as políticas propostas no nível macro dão conta de atender a realidade quando observadas as questões apresentadas por mães (e pais) de filhos pequenos em múltiplas situações de ensino, como cursos noturnos, ou com demandas de estágios longos, mudanças de residência para as cidades onde ficam os campi, dentre tantas outras questões que afetam a maternagem, sendo necessário entender o nível micro para compreender uma política de assistência estudantil.

 

Ao começar minha pesquisa através do tema da maternagem no contexto universitário fui atravessada pelas realidades das minhas colegas de curso (Pedagogia/UFS), que em comum descreveram uma sensação de não pertencimento àquele lugar, o que me fez refletir sobre a origem de tal sentimento e sobre como poderia ser possível contribuir para a destruição desse “sentir” tão ligado à maternidade patriarcal, aquela citada por O’Reilly (2013), que revela os pressupostos ideológicos integrantes desse dispositivo tornando-o opressivo às mulheres.

 

Em um território onde é exigido o máximo de dedicação (exclusiva até), o cotidiano das alunas mães torna suas experiências acadêmicas algo assustador e fora do “esperado” para muitas pessoas. Algumas das alunas entrevistadas durante a coleta de dados da minha pesquisa relataram não haver interesse por parte de alguns docentes sobre as especificidades de seu dia a dia, por exemplo, durante a licença maternidade. 

 

A ausência dessas alunas em atividades de iniciação científica ou de docência também revela abismos que não estão sendo visualizados. Até mesmo nos eventos que pulsam no ambiente da universidade, comumente, não se percebe a participação de alunas que maternam. Aquelas que conseguem assumir esses lugares declaram uma grande demanda física e emocional para tal, precisando organizar com quem fica o filho e tudo o que decorre dessa necessidade, antecipadamente. 

 

Decisões essas que incorrem em uma sensação de culpa, de inadequação, de não pertencimento. Em um dos questionamentos da entrevista semiestruturada desenvolvida, conversei com elas sobre os momentos em que dialogavam a respeito de suas demandas e a vida acadêmica, se esses momentos ocorriam na universidade, se havia abertura para tais conversas com suas colegas. A maior parte respondeu que nem havia tempo, porque na mesma correria que adentravam os portões da universidade, também saiam de lá. Tinham que resolver as demandas da casa, da família, dos cuidados com os outros.

 

Duas das entrevistadas responderam que só conversavam sobre esse assunto para “reclamar mesmo”. Ora, nesse sentido, para essas alunas, sua condição de mãe quer dizer “tudo suportar” já que assim escolheram, afinal, quiseram maternar e isso significa ter trabalho. E mais ainda...expressar qualquer tipo de sentimento que venha envolver tristeza, cansaço, sobrecarga, insatisfação ou até mesmo simplesmente partilhar experiências (externar que precisa ser ouvida, por exemplo) denotaria “não estar dando conta do recado” o que alimentava mais a sensação de inadequação.

 

Produtividade cobrada no ambiente doméstico. Produtividade exigida na universidade.

Ser mãe na universidade é pertencer ao que seria impensável. Uma ousadia. E por isso mesmo se situam em pontos de resistência e (re) existência. É resistir a tudo que sempre foi igual. A tudo que deveria ser do mesmo jeito e ousar ser diferente. Mas é o lugar onde se constroem possibilidades, mais do que tudo, transgredir  e ousar implodir paradigmas, principalmente, os de perfeição, aqueles que colocam as pessoas em caixas com rótulos e que dizem que fora disso é “anormal”. Possibilidades de ser, na ciência, na pesquisa, na extensão, sendo uma mulher, que materna...e que vive em potência e em devir.

Tomara que cada vez mais possamos visualizar essas transgressões, que possamos contribuir para a qualidade de vida e de formação profissional e humana das pessoas. Vamos falar, pesquisar, escrever, ensinar e aprender, construindo e fazendo emergir para a superfície tudo o que por muito tempo foi silenciado. 

 

Referências

ALEXANDRE, Suelen de Pontes et al. A inclusão da diversidade no ensino superior: um estudo da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA) na perspectiva das epistemologias contra-hegemônicas. 2015.

CHAVES, Daniuza Santana dos Santos; TRINDADE, Larissa dos Santos; DANTAS, Lys Maria Vinhaes. Maternagem e educação superior: Desafios, Estrátegias e demandas. 2020.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis: vozes, 1997.

NUNES, Cicera; SILVA, Livia Maria Nascimento. Acesso e permanência na educação superior X Maternagem: entre trajetórias, representações e exigibilidade de políticas estudantis. Direito UnB, n. 4, p. 41-79. 2020.

O’REILLY, Andrea. “It saved my life”: The National Association of Mothers’ Centres, Matricentric Pedagogy and Maternal Empowerment. In: Journal of the Motherhood Initiative for Research and Community Involvement. Toronto, ed.: Mothers, Education and Maternal Pedagogies, Spring/Summer, 2013, v. 4, n.1, p: 185-209.

Colunista

Débora Reis

Aracaju - Brasil

Débora Reis é mãe de quatro filhos, graduada em Pedagogia pela UFS e pós graduanda em psicopedagogia clínica e institucional.

Atualmente é membra dos Grupos de pesquisa Núpita, do GPECS ( Educação, Cultura e Subjetividades), ambos da UFS e participa do Coletivo de mulheres flores de maria Bonita, do curso de pedagogia da UFS.

bottom of page