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Amor líquido

28.10.2021

E a mãe na amamentação?

Ludmilla Torraca

O papel da amamentação na saúde da criança é cada vez mais difundido e divulgado, apesar de nem sempre encontrarmos essas informações nos profissionais de saúde que são responsáveis pelo cuidado das famílias. O que vemos é a criança em evidência quando se menciona sobre amamentar, mas, e para a mulher? E a mãe?

 

Antes de ser mãe, somos mulheres, com nossas individualidades e percepções.  Nosso corpo é morada, portal, abrigo, fonte de vida e de nutrição. Com a gravidez, viramos duas ou dois, dois corações batendo em um só corpo. Tudo muda. É real e aos poucos quando vemos estamos ao avesso, com o mundo de cabeça pra baixo, os hormônios desgovernados, perdidas, com um pacotinho sem manual de instruções. O amor prometido demora a aparecer, o medo do desconhecido, da morte, do inesperado e as culpas, a culpa materna chega e fica.

 

No nascimento, nasce um bebe e nasce uma mãe, porém, o mundo que girava em volta do umbigo materno literalmente, se desloca para fora, para nossos braços e nós, nos tornamos invisíveis, nos sentimos invisíveis, parimos também a solidão, sentida com diferentes intensidades, algumas patologias, outras amenas, mas ela está lá, mesmo quando estamos acompanhadas. 

 

O melhor dos cenários seria, se ser mãe fosse um projeto, e na realização desse projeto os objetivos traçados incluíssem as vontades da mulher sobre essa fase, especialmente a primeira infância. Uma pausa para exercer o trabalho que é ser mãe, se assim fosse a vontade. E não digo aqui sobre o trabalho doméstico que em sua grande maioria, fica para a mulher, que além de assumir esse papel historicamente, está em casa “sem fazer nada”, “só sendo mãe” e nem sobre o papel da sociedade, que deveria garantir condições para que essa mulher realize a criação do futuro da nação, para essa discussão volte lá no primeiro texto da coluna. 

 

Sobre essa pausa necessária? Sabe porque vejo ela como necessária? Por que ninguém faz por você.  Já ouviu “quem pariu Mateus que o embale”? É real! Um filho é verdadeiramente “um filho da mãe”.  Há sim outras configurações de família, mas estou abordando aqui para mães que assumem suas responsabilidades, escolhidas ou não. Pode ter pai assumindo também seu papel de pai, pode ter rede de apoio, mas a mãe... só quem sente, sabe e sofre. 

 

Aleitamento materno não é necessariamente amor líquido como escolhi nomear essa coluna, não se mede amor pela forma como alimenta seu filho, há amor na mamadeira também, apesar de não haver alimento que se compara ao leite materno quando estamos tratando de um bebe humano, não é só sobre amor, a amamentação é resistência. É resistir inicialmente ao sistema e essa pauta também está abordada em detalhes no primeiro texto. 

 

Amamentar é um ato de entrega, é superar limites todos os dias para oferecer a cria o alimento mais completo que existe, é tempo, e bota tempo nisso, é um tempo que não somos acostumadas a doar, a parar, a aceitar, é um tempo que depende, mas não depende da gente, que não é possível contar e mensurar, full time, são noites intermináveis. Nos desesperamos, nos apavoramos, será que está certo? Primeiramente, amamentar não combina com relógio, e muito menos a vizinha, amiga e mãe podem ser parâmetro. 

 

É nosso o corpo, muito mais do que durante a gestação, doado a outro ser que no início somos programadas para manter a sobrevivência, e aos poucos, à medida que vão crescendo aprendemos a nos relacionar. Amamentar é relacionamento. E parece que não, mas é nessa abstenção, nessa fragilidade que nos reconhecemos fortes e nos reinventamos, nos tornamos melhores, capazes de muito mais, por nós e por eles.

 

Pra finalizar vou falar pra que comecei esse texto, para listar os benefícios para a mulher do amamentar, segundo o Ministério da Saúde. Além de todos os perrengues e confortos listados acima, saiba que independente do quanto amamentou, cada gota conta, se foram dias, meses ou anos, foi amamentação e vale muito. Se foi por ele ou por você, se foi pelos dois, te conforto dizendo que essa foi a sua história e merece ser honrada.

 

Já está bem estabelecida a associação da redução na prevalência de câncer de mama e da diabete tipo 2, tem sido atribuído também ao aleitamento materno proteção contra as seguintes doenças na mulher que amamenta: câncer de ovário, câncer de útero; hipercolesterolemia, hipertensão e doença coronariana; obesidade; doença metabólica; osteoporose e fratura de quadril; artrite reumatóide; depressão pós-parto; e diminuição do risco de recaída de esclerose múltipla pós-parto.

 

A amamentação é um excelente método anticoncepcional nos primeiros seis meses após o parto (98% de eficácia), desde que a mãe esteja amamentando exclusiva ou predominantemente e ainda não tenha menstruado, em livre demanda, se existe bicos artificiais (chupeta ou mamadeira) descaracteriza livre demanda.

 

A amamentação também pode ajudar algumas mulheres a perder mais rápido o peso que ganhou durante a gravidez. Não é regra, cada corpo reage de uma forma. E também menor sangramento uterino pós-parto, consequentemente, menor chance de hemorragias e menos anemia, devido à involução uterina mais rápida provocada pela maior liberação de ocitocina.

 

Mulheres que amamentam não podem ter sua vida associada a reclusão, a ausência de liberdade, mulheres que amamentam pode tudo, começando por amamentar onde bem entenderem, depois podem beber, podem comer o que quiser, inclusive chocolate, mas cuidado se seu bebe for alérgico à proteína do leite,  podem pintar os cabelos, tomar antibiótico, anti-inflamatório, arrancar o siso, e inclusive pode pegar a fila preferencial, a lei nº10.048 garante que as mães que amamentam, independente da idade, tenham direito ao atendimento preferencial, assim como as gestantes e crianças de colo.

 

Amamentar é um trabalho, que tem benefícios e prejuízos. Só a mulher tem o direito a escolher se dedicar a esse trabalho e sim, desfrutar dos ônus e bônus, assim como a maternidade, e como os trabalhos remunerados, nem sempre é bom, tem dias que vai dar vontade de sair correndo. E pra finalizar, amamentar não é instintivo, as mulheres precisam de condições favoráveis, informação, incentivo, apoio, respeito e visibilidade.

Em breve

Ludmilla Torraca

Colunista
Brasil

Ludmilla Torraca é mãe da pequena Sol,  de 2 anos e 9 meses. Graduada no curso de licenciatura em Enfermagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Especializada em Saúde da Família e Comunidade pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Ludmilla é uma Defensora o Sistema Único de Saúde (SUS), pois acredita que a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e deve ser assegurado com qualidade pelo Estado. Atualmente Ludmilla atua como Consultora em amamentação. 

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