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Maternidade na lupa

30.08.2021

Maternidade online: breve relato de pesquisa

Ana Luiza de Figueiredo Souza

Faço minha estreia de colunista com um texto que serve como apresentação. Quem sou, o que faço, por que estou escrevendo para o NIEM. Começo com a seguinte pergunta: quais as potencialidades e tensões trazidas pelo movimento de mulheres debaterem, em espaços online compartilhados, temáticas maternas que até pouco tempo não costumavam ser levadas à esfera pública? É isso que investigo enquanto pesquisadora da área de Comunicação. E é sobre esse trabalho que venho conversar aqui no primeiro artigo da coluna Maternidade na lupa.

 

Tudo começou em 2016, quando a postagem de uma mãe no Facebook descrevendo suas insatisfações e dificuldades com a maternagem do filho recém-nascido repercutiu em diferentes mídias, inclusive em portais de notícia e programas televisivos. A partir dali, fui pesquisar por casos parecidos e, também, o que havia sido publicado sobre o assunto em periódicos e congressos científicos. Para minha surpresa, o fenômeno dos debates maternos online era praticamente inexistente nos trabalhos de Comunicação. Percebendo o quanto a maternidade era um assunto que tocava as mulheres à minha volta — fosse na vida cotidiana, fosse no que observava pelas telas — e a mim mesma, decidi investigar como se davam as discussões em torno dela nos ambientes que passaram a ser cada vez mais mobilizados para isso:  as mídias sociais.

 

Iniciei formalmente a pesquisa em 2017, com muito estudo teórico e muita empiria. Queria entender esse fenômeno no mundo e, principalmente, no Brasil. Fazer um resgate histórico de como a maternidade se construiu enquanto instituição simbólica e cultural tão forte entre nossa população. Nesse processo, inseri tanto reflexões próprias quanto dados provenientes do contato com meu objeto de pesquisa: as narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade. Buscava entender como essas narrativas se relacionavam a estruturas mais amplas, de que formas um aspecto influenciava o outro, que demandas surgiam, quais os conflitos e interesses. Esforço que acabou reconhecido não apenas na esfera acadêmica, mas para além dela.

 

Desde então, são mais de cinco anos pesquisando temáticas maternas, especialmente nas plataformas digitais. A pesquisa de doutorado amplia esse empreendimento, dessa vez voltada para um grupo que, ao longo da dissertação, até para minha surpresa, se mostrou bastante variado, complexo e relevante para entender com maior profundidade várias dinâmicas maternas: as mulheres sem filhos.

É um dos motivos para eu argumentar, por exemplo, que todas as mulheres têm vivência materna: conjunto de valores e ideologias relacionados à maternidade que cada mulher — por meio do convívio familiar, instituições de ensino, cotidiano social, produções midiáticas — adquire ao longo da vida. Esse conjunto ajuda a estabelecer o lugar reservado à maternidade dentro de seu planejamento pessoal e, também, a forma como a enxerga em termos coletivos. A maternidade constitui, ainda, uma das principais referências no que se entende por identidade feminina.

 

Por isso o debate acerca de temáticas maternas é tão caro a todas nós. Somos todas afetadas pela maternidade de algum modo. Assim como, enquanto mães ou não mães, estamos inseridas no tecido social. Por um lado, isso exige determinadas estruturas e políticas públicas. Por outro, orienta as expectativas sociais sobre nós depositadas, bem como várias das nossas designações. Afinal, é raro encontrar mulheres que não tenham sido preparadas, desde pequenas, para virarem mães, ou pelo menos para saberem maternar — atividade que a maioria acaba realmente desempenhando em algum momento da vida. 

 

Não à toa as narrativas sobre a maternidade são tão abundantes, afetadas e personalistas. Por muito tempo, discutir temáticas maternas publicamente, apontando problemas e angústias relacionados a elas, não era uma prática difundida. Ainda mais quando envolvia compartilhar aspectos de cunho mais íntimo. Trata-se de fenômeno bastante recente, que indica não apenas o quanto a maternidade impacta a vida e o imaginário das mulheres em geral, mas também a urgência de, enquanto sociedade, tornar a garantia dos direitos femininos um objetivo em comum.

 

Sendo tão afetadas (pela maternidade, pelo que dizem as demais pessoas na discussão), fortemente ancoradas nas experiências e posicionamentos de quem as escreve, as narrativas pessoais sobre a maternidade, muitas vezes, geram dicotomias. Nos debates, em geral, percebo que a intenção não é tanto encontrar diferentes visões sobre os mesmos aspectos da maternidade. O ímpeto maior é ter contato com relatos que tanto comprovem que aquela experiência é compartilhada por mais pessoas (ou seja, que você não está sozinha) quanto reflitam suas próprias opiniões. Nisso, claro, emergem disputas. 

 

Quem tem mais ou menos direito de reclamar da maternidade ou das estruturas ao redor dela; quem tem mais ou menos experiência com a maternagem; quais são as problemáticas maternas com maior relevância; o que significam “maternidade real” e “maternidade romantizada”. Não há consenso sobre nenhum desses tópicos. Nem vai haver. Imbuídas por dinâmicas que regem o próprio ambiente dialógico das mídias sociais, as narrativas pessoais sobre a maternidade produzidas por mulheres revelam a amplitude de vivências maternas que ora se aproximam ora colidem. 

 

Fato é que depois de investigar esses debates por anos, aprofundando a reflexão sobre eles na pesquisa acadêmica e levantando assuntos maternos nas rodas de conversa, decidi integrar o cenário investigado mais diretamente. Devolver o resultado de anos de acompanhamento e — por que não — trazer para ele inquietações que eu achava pertinentes ou que percebia entre as narrativas, de forma difusa.

 

Foi assim que, em 2021, transformei minhas contas do Facebook, LinkedIn, Twitter e, com maior ênfase, Instagram em plataformas para debater temáticas maternas a partir tanto daquilo que pesquiso quanto do contato com as diferentes mulheres de todo o país que passaram a acompanhar o projeto nessas contas e no meu site. Falo melhor sobre esse processo em um capítulo do livro Comunicação e Pandemia, a ser lançado durante o Intercom deste ano.

 

Tem sido uma jornada de empolgação, aprendizagem, agonias, fortalecimento, perrengues, muito trabalho, dilemas, revolta, afeto... tudo junto e misturado. Está nos planos lançar o livro com a pesquisa de mestrado em formato expandido. Deve sair no máximo até 2022. Veremos. O importante é continuar acreditando no meu jeito de entender e fazer ciência, sobretudo enquanto mulher. Algo que parte daquilo que nos cerca e retorna a esse todo com contribuições, ideias, dados. Faz as pessoas — no caso, as mulheres — se reconhecerem no que é discutido, me puxarem pelo braço ou por mensagem privada para partilharem suas histórias e perspectivas.   

 

A quem interessar, fica o convite.

 

Referências:

 

FIGUEIREDO SOUZA, Ana Luiza de. “Maternidade real” nas mídias sociais: particularidades, tensões e novas imagens maternas. Anais eletrônicos do Seminário Internacional Fazendo Gênero 12, Florianópolis, 2021. 

 

FIGUEIREDO SOUZA, Ana Luiza de. “Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!”: narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal Fluminense, 2019.

 

FIGUEIREDO SOUZA, Ana Luiza de. Termos e conceitos desenvolvidos durante a pesquisa. Nota de rodapé, 29 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3gh3iNf. Acesso em: 18 ago. 2021.


PINTO, Rafaela Caetano et al. (Orgs.). Comunicação e Pandemia: lições, reflexões e desafios da crise. São Paulo: Intercom, 2021. No prelo.

Ana Luiza Figueiredo Souza 

Colunista
Brasil

Ana Luiza de Figueiredo Souza é pesquisadora, consultora acadêmica e literária, copidesque, parecerista e escritora (ufa!). Graduada em Publicidade e Propaganda pela UFRJ, sendo mestre e doutoranda pelo PPGCOM da UFF. Compartilha suas criações e achados de pesquisa no site www.analuizadefigueiredosouza.com.br. Vai lá espiar ;). 

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