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Mãezinha é o caramba!

14.01.2021

O parto de mim mesma

Um pequeno resumo da minha trajetória pela maternidade

Carol Freire

Esse texto de abertura tem como objetivo contextualizar um pouco da minha situação enquanto mãe e estudante universitária, da minha vivência da maternidade e da luta dessa minha trajetória, instigando uma reflexão sobre as oportunidades das estudantes-mães universitárias.
 

Tudo começou em 01 de janeiro de 1989…hehehe, sim, começou no meu primeiro nascimento. Sou filha de mãe solo de 3, o que me fez odiar minha mãe por muito tempo achando que ela era o motivo de todas as mazelas da minha vida. Mal sabia eu que iria me ver dentro da vivência da minha mãe.
 

Em 18 de julho de 2015 nasci novamente, nasci mãe. Lara foi fruto de um relacionamento abusivo, tóxico e violento, que levei um pouco mais de 1 ano para conseguir me desvencilhar. Semelhante ao meu pai com minha mãe, o meu ex-companheiro exigia que eu fosse submissa a ele e invejava minha ascensão profissional, me sabotando de diversas maneiras.
 

E, em 2015 também nasci universitária, entrei na Universidade de Brasília no curso de Pedagogia. Era um sonho pra mim, mas ele não me incentivava. Eu fiz o primeiro semestre grávida e ia para a Universidade de carona com ele, só que no meu carro. Na volta eu tinha que pegar um ônibus para encontrá-lo enquanto ele me esperava em seu trabalho. Uma vez passei mal e ele ficou esperando no escritório enquanto eu estava na emergência da maternidade, parindo uma pedra no rim, e ainda estava brigando comigo por que eu estava demorando...
 

Após o nascimento da Lara, que, para minha sorte, se deu no meio do ano, tranquei o segundo semestre de 2015 para ficar com ela em tempo integral, especialmente por causa da amamentação (mal sabia eu que era mais fácil levar um bebê lactente pra aula...). Foi aí que começaram minhas questões sobre ser mãe estudante universitária: não havia mecanismos suficientes para eu poder garantir meu desempenho acadêmico em paridade com os outros estudantes universitários sem filhos.
 

Pra começar não existe licença maternidade. Eu tive que trancar o semestre, o que já me deixou pra trás. A única, sim ÚNICA, garantia legal que existe para uma mãe-estudante, são os chamados exercícios domiciliares regulamentado pelo o Decreto-lei nº 1.044, de 1969 que “dispõe sobre tratamento excepcional para os alunos portadores das afecções que indica” e a Lei n° 6.202 de 1975, que incluiu a estudante “no estado de gravidez” no rol de “afecções” que necessitam de tratamento excepcional para o estudante. Dessa forma, a partir do oitavo mês de gestação e durante três meses a estudante em estado de gravidez tem o direito de requerer o regime de exercícios domiciliares. E ainda é uma política da educação básica ampliada para a graduação.
 

Inclusive, sobre os citados dispositivos legais, frisa-se suas datas de promulgação, que são anteriores à constituição vigente. Ambos fazem parte de um arcabouço legal antigo que coincide cronologicamente com a segunda onda do feminismo na América Latina, período no qual houve ampliação em massa do sistema educacional advindo da necessidade da tutela das crias das mulheres que saíram do ambiente doméstico para o ambiente mercantil. Dessa forma, infere-se que motivação para a positivação desses direitos não tiveram origem na evolução dos direitos humanos em si, mas sim na lógica de capacitação para o mercado e da contenção das demandas sociais.
                                                            


¹ Hoje há o Projeto de Lei da Câmara n° 12, de 2018,que amplia os direitos da Lei n° 6.202 de 1975  e que está parado desde 08/05/2019, conforme site da Câmara, bem como existe a previsão de Auxílio-Creche no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), porém em algumas IES carece de regulamentação e não contempla todas as mães.

² Aqui o termo estudante-mãe será usado para se referir somente às estudantes do Ensino Médio e Graduação, tendo em vista que a condição de pesquisadora possui outro vínculo legal com as IES.

Dessa forma então, já pensando que meu “estado de gravidez” não era passageiro como a legislação trata, mas sim que ele se tornaria um permanente “estado de maternidade”, o qual a legislação que versa sobre os direitos de educação não abarca, percebi que não seriam suficiente 3 meses em casa para depois ter que viajar 90km, ida e volta, com um bebê de 3 meses, cuidar da casa e dos bebês, sendo um deles com mais 30 anos, e ainda manter um Índice de Rendimento Acadêmico suficiente para eu conseguir bolsas de pesquisa, sem contar aos 75% de presenças nas aulas (sorte de quem tem aqueles migues especiais para cometer uma falsidade ideológica básica).
 

Nesse meio tempo eu já era mãe solo, pois, além de não participar nos cuidados da filha e ainda por vezes nem olhar na cara da dela em seus acessos de raiva narcisista, não me auxiliava nos meus estudos, tendo eu por muitas vezes produzido no meio da madrugada ou com a Lara na teta e em uma perna e o laptop na outra.
 

Foi então que, com a ajuda da minha rede de apoio maravilhosa da Faculdade de Educação da UnB, eu consegui terminar com esse relacionamento que estava mais pra um encosto na minha vida. Nesta altura a Lara já estava com 1 ano e meio e eu já havia participado do Programa de Educação Tutorial (PET-Edu), no qual escrevemos uma pesquisa sobre estudantes-mães universitárias, sob a tutoria da professora Patrícia Pederiva, uma inspiração para mim. Dessa pesquisa originou-se um espaço na Faculdade de Educação para o acolhimento de estudantes-mães, porém que está em desuso pelo excesso de burocracias.
 

Saí do PET-Edu para assumir uma vaga de estágio no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), onde atuei na diagramação do design instrucional da parte EaD do curso Maria da Penha vai à Escola. Nisso, com intuito de acolher mulheres vítimas de violência de gênero e na força do ódio pelo meu ex-companheiro, comecei a participar do Centro de Convivência de Mulheres da UnB, que foi fruto de uma ocupação de mulheres da UnB e que foi protagonista da conquista do auxílio-creche da UnB, e também onde conheci mulheres maravilhosas.
 

Após, fui nomeada em um concurso no Rio Grande do Sul, onde fiz mobilidade acadêmica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - e procurei por algum movimento de estudantes-mães, mas não encontrei. Morei dois anos lá, só eu e Lara contra o mundo, e, na mobilidade, das 4 disciplinas que peguei só consegui concluir uma.
 

Estamos em 2021, tenho 32 anos e ainda não consegui me graduar. Estou quase no limite do tempo de permanência do meu curso e provavelmente terei que entrar com pedido para me concederem mais tempo para poder me formar, se concederem…Por essas e outras fiz da maternidade minha militância e meu terreno de luta por justiça social.
 

As conquistas que tive nessa trajetória foram na base de muito suor e por vezes sofrimento, e até ódio mesmo. Ressalto isso não no intuito de afirmar minha força enquanto mãe e mulher, pelo contrário, ressalto isso na intenção de denunciar o mecanismo de romantização do sofrimento materno, que, tal como outras romantizações, só é útil para a propaganda do sistema opressor vigente, pois apaga a responsabilidade da sociedade e do Estado para com nossas crianças e cala as vozes das mães que querem ter seus direitos garantidos.
 

Disfarçando opressão em homenagens e em um suposto orgulho de “conquistas” de direitos básicos, que todo cidadão tem ou deveria ter, o estereótipo de mãe-forte-guerreira-que-aguenta-tudo só serve a um projeto de poder patriarcal e capitalista. A maternidade não deveria ser uma experiência sofrida para ninguém, e muito menos deveria ser fator de perda de direitos.
 

Vou parar por aqui para não dar spoiler dos próximos capítulos, mas deixo a reflexão: é justo esperar que as mulheres estudantes-mães universitárias que por vezes se desdobram em jornadas quádruplas (maternidade, trabalho, casa e estudos), e/ou sofrem violência doméstica, tenham o mesmo rendimento acadêmico, ou mesmo consigam se inserir na academia ou se graduar, sem ações afirmativas que garantam equidade com os demais estudantes?
 

A evidente lacuna de direitos resultante da reflexão acima é onde me encontro e também é onde luto para que seja preenchida, com a memória e força das mães que vieram antes de mim e com as mãos e intelecto das mães que hoje me conecto em rede.

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